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Há uma boa e uma má notícia no plano de governo anunciado pelo PSDB.
A boa é que finalmente o PSDB apresenta um documento para ser discutido. Na campanha de 2010, o candidato José Serra jamais apresentou seu plano, alegando que poderia ser copiado por Dilma - o primeiro caso de plano de governo em "off" da história.
Ao apresentar seu esboço, o PSDB propõe trazer a disputa da exploração do negativismo para a discussão de conceitos.
A má notícia é que o plano é vazio de propostas, revelando o divórcio ocorrido entre o partido e a inteligência acadêmica depois da fase obscurantista de Serra.
Os 12 pontos do programa político anunciado pelo presidenciável Aécio Neves comprovam a enorme dificuldade da oposição em desenvolver um discurso novo. E também incorre em um erro de enfoque: programas assim não podem ser tratados como peças de propaganda, mas como instrumento de aprofundamento de discussões.
Vejamos, item por item.
1. Compromisso com a ética, combate intransigente à corrupção, radicalização da democracia e respeito às instituições
O uso de palavras altissonantes, como "ética, dignidade, honra", não cabe em um quadro político do qual o PSDB faz parte, e que inclui episódios como o escândalos dos trens em São Paulo e do esquema Marcos Valério em Minas. Deixou de trabalhar propostas de reforma política por um moralismo inadequado a quem participa do jogo.
Também não colam as supostas ameaças totalitárias ("o equilíbrio entre os poderes foi rompido"). Deveria deixar essas paranoias para o Jabor e seus amigos. Programa de governo visa atingir necessariamente formadores de opinião.
O tema "radicalização da democracia" talvez seja central para os novos tempos. Mas não se conseguiu ir além do uso genérico de ferramentas de internet. Há todo um arcabouço de participação criado pela Constituição de 1988, com os conselhos e comissões municipais e estaduais.
Mas o partido continua preso a um preconceito invencível contra qualquer forma de participação popular que não venha da classe média.
2. Recuperação da credibilidade e construção de um ambiente adequado para o investimento e o desenvolvimento do país.
Restringe-se a discussão aos problemas (reais) na condução de política econômica, na baixa eficácia das agências reguladoras. Fica-se mais uma vez na crítica genérica ao aumento dos gastos públicos, na defesa da responsabilidade no trato da coisa pública etc.
Nenhuma avaliação maior sobre um conjunto de instrumentos de política pública que começam a deslanchar:
* leilão de concessões na qual, finalmente, o governo parece ter encontrado a embocadura;
* o Inova Empresas, com todas suas linhas de financiamento, para saúde, defesa, educação etc.;
* as políticas de desoneração tributária e da folha;
3. Estado eficiente, a serviço dos cidadãos
O PSDB é a favor de um estado eficiente, justo e transparente. E quem não é?
A Lei de Transparência trouxe uma publicidade inédita para os dados públicos. As redes sociais permitirão uma interação cada vez maior do cidadão com o Estado. Ao mesmo tempo, tem-se um dos piores serviços públicos, não apenas os serviços diretos como as concessões públicas. Por outro lado, há um avanço significativo nos sistemas de defesa do consumidor, com as últimas leis sancionadas, uma integração cada vez maior desses serviços e um poder inédito conferido aos Procons, convivendo com a falta de eficácia das agências reguladoras.
Enfim, um enorme conjunto de fatores novos - positivos ou negativos - exigindo a visão de conjunto e apresentação de formas de atuação nesse mundo novo.
Passa-se ao largo de tudo e fica-se no genérico: "Valorizar o funcionalismo, a meritocracia, o profissionalismo na gestão pública e combater o aparelhamento político-partidário que prejudica a administração pública e, logo, a melhoria de vida de toda a população. Gastar menos com o governo para poder investir mais nas pessoas".
4. Educação de qualidade como direito da cidadania, educação para um novo mundo
A proposta do PSDB: "a organização de uma educação comprometida com a construção de um mundo melhor para todos".
O grande desafio da educação brasileira é o uso de novas tecnologias para cortar etapas que foram percorridas por outros países, antes dessa nova era tecnológica.
Fora isso, há um conjunto de desafios na integração dos três entes federativos, na discussão das novas formas curriculares, nos princípios e metas do Plano Nacional de Educação, na forma de integração universidades- ensino básico.
Uma imensa discussão nacional, envolvendo as conferências estaduais e nacionais, as ONGs do setor privado, a questão do ensino integral. O máximo que ousa é uma Lei da Responsabilidade Educacional que já consta do PNE.
5. Superação da pobreza e construção de novas oportunidades
Volta-se à velha cantilena de que "o Bolsa Família não pode continuar sendo ponto de chegada; precisa transformar-se em ponto de partida para mudanças e conquistas sociais dos brasileiros. A verdadeira emancipação só ocorrerá quando cada brasileira e cada brasileiro tiver direito de escolha, obtiver formação adequada para ter trabalho e ocupação digna por toda a vida e puder proporcionar essa mesma herança a seus filhos".
Repito: um plano de governo não pode ser constituído de bordões radiofônicos. Tem que ser material para promover discussões, apresentar novos ângulos, fomentar novos estudos.
Qualquer estudioso do assunto sabe que o Bolsa Família não é um fim em si próprio. Cumpre sua função de garantir o básico para todos. Mas cria um ecossistema social, com os bancos de dados, o controle dos usuários, que permite, a partir dele, avançar na educação das crianças, na busca de capacitação para os adultos.
Uma discussão séria começaria dai: como otimizar melhor esse ecossistema.
6. Cidadãos seguros: segurança pública como responsabilidade nacional
Mais uma vez foge-se de temas polêmicos como o diabo, da cruz. O próprio FHC lançou a proposta de legalização das drogas. Há a questão da desmilitarização da Polícia Militar. Há uma enorme discussão sobre a independência da polícia técnica, sobre a integração de ações, sobre as ações interssetoriais de segurança pública.
Nada disso é abordado. Fica-se no genérico. Apenas em uma frase ousa-se um conceito mais avançado: "O enfrentamento da questão das drogas será feito a partir de uma política nacional baseada em quatro pilares: prevenção, redução de danos, tratamento e repressão". Quando o PSDB armou seus rottweillers na mídia, uma das primeiras ações da dobradinha Veja-Jornal Nacional foi acusar de traficantes duas professoras da USP que faziam uma pesquisa sobre redução de danos.
7. Mais saúde para os brasileiros: cuidado, investimento e gestão
No caso da saúde, não há muito o que inovar: tem-se hoje em dia um leque de ações que vão do Programa Saúde da Família aos setores de maior complexidade.
É complicado falar em financiamento da saúde, depois de o partido ter liderado a ação que acabou com a CPMF. É curioso que o programa critica ao mesmo tempo o subfinanciamento existente e o desperdício.
8. Nação solidária: mais autonomia para estados e municípios, maior parceria da União
Aqui, uma crítica à conta que recaiu sobre estados e municípios com a política de desoneração tributária. "Nosso compromisso é restaurar o equilíbrio que deve nortear uma federação que se pretenda mais solidária, para devolver a estados e municípios a autonomia que lhes vem sendo paulatinamente usurpada". É crítica correta.
Mas há um aprimoramento gradativo das relações federativas, desde as iniciativas pioneiras do SUS, do MEC, até as ações recentes do PAC (Programa de Aceleração do Desenvolvimento). Trata-se de um grande desafio de gestão pública discutir esses modelos de integração. Mas o programa fica no genérico.
9. Meio Ambiente e Sustentabilidade, a urgente agenda do agora
Levanta alguns pontos importantes que foram para segundo plano, como a questão do etanol, a lentidão da implantação da política nacional de águas, o incentivo ao transporte individual.
Critica o incentivo a fontes não renováveis de energia, como as usinas térmicas. Mas foge das questões centrais: esse incentivo tem relação direta com as dificuldades de construção de hidrelétricas com reservatórios. Há uma enorme discussão sobre os limites do bom senso na questão meio ambiente x energia. Mas foge-se do tema.
Em relação ao saneamento, entra-se novamente na questão federativa, da falta de capacitação dos municípios para apresentar projetos para serem financiados. O programa do PSDB passa ao largo do tema.
Há um ponto relevante, na proposta de discussão "sistêmica, transversal e descentralizada" da questão do meio ambiente, "tendo como referência espacial as bacias hidrográficas e os biomas, e não somente, como é hoje, no momento da execução dos projetos e ignorando a dimensão territorial".
10. A agenda da produtividade: infraestrutura, inovação e competitividade
Critica a desindustrialização precoce do país. É um diagnóstico correto, mas que colide com as análises dos economistas que dão a linha para o partido: os egressos do Plano Real e da Casa das Garças.
No mais, o programa é a favor do bem, da verdade e da unanimidade, uma coleção de princípios genéricos sobre o que fazer, e nada sobre o como fazer.
11. A agropecuária que alimenta o presente e o futuro do país
12. Política externa: reintegrar o Brasil ao mundo
A única proposta concreta está sendo tocada pelo governo: "A negociação de um acordo abrangente e equilibrado entre Mercosul e União Europeia deve ser concluída, mesmo que, para tanto, o Brasil avance mais rapidamente que outros membros do bloco, para deles não ficar refém".