O simbólico voo de Dilma com os ex-presidentes
No momento em que começo a escrever, pouco depois do meio dia desta terça-feira, eles já estão voltando para o Brasil, com uma escala em Luanda, capital de Angola. Não se pode dizer que foi um agradável passeio o inédito voo da presidente Dilma Rousseff com seus quatro antecessores vivos (Sarney, Collor, FHC e Lula, por ordem de entrada em cena) para o funeral de Nelson Mandela.
Os cinco saíram do Rio de Janeiro ao meio dia de segunda-feira, chegaram a Johannesburgo, na África do Sul, às duas horas da madrugada e já estavam de pé às oito da manhã de hoje para participar das cerimônias fúnebres.
Neste fulminante bate e volta, em que pela primeira vez Dilma conseguiu reunir os quatro ex-presidentes na mesma cerimônia, pouco importa o que eles tenham conversado, até porque, eu não sei _ e acho que nunca vamos saber exatamente o que foi falado.
O voo valeu mais pelo que tem de simbólico, já que na nossa política eventuais adversários muitas vezes são tratados como inimigos e não há uma tradição de cortesia entre os que já ocuparam o principal cargo do país, ao contrário do que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos.
Se por acaso faltou assunto, e o cansaço superou a vontade de conversar, certamente não faltaram lembranças para ocupar o tempo de voo. Assim de cabeça, lembro-me de algumas que devem ter passado pelas cabeças presidenciais ao olharem para o ilustre passageiro a seu lado.
Hoje, só Fernando Henrique Cardoso não faz parte da ampla aliança governamental em torno de Dilma, mas em outros momentos já foi bem diferente a relação entre os quatro ex-presidentes.
Por ordem cronológica, em 1989, Lula e Collor disputaram para ver quem batia mais no então presidente José Sarney, que assumiu o cargo por acaso com a morte do presidente eleito, Tancredo Neves, antes de tomar posse. Ambos chamavam Sarney de corrupto, no mínimo.
Venceu Collor e, dois anos depois, Lula e FHC estavam subindo nos mesmos palanques, que já haviam frequentado juntos na campanha das Diretas Já, para pedir o impeachment do presidente eleito, que foi cassado em seu terceiro ano de mandato. Corrupção do presidente também foi o tema que dominou os discursos dos dois.
Em lugar de Collor, assumiu o vice Itamar Franco, que chamou FHC para ser ministro _, primeiro, de Relações Exteriores e, depois, da Fazenda _ e o ajudou a se eleger presidente na sua sucessão, em que derrotou Lula no primeiro turno. Em 1998, FHC repetiu a dose e foi reeleito no primeiro turno contra Lula.
Até aí, no entanto, os dois tinham uma boa relação pessoal, que começou nas lutas contra a ditadura e se estreitou na campanha legislativa de 1978, em que Lula apoiou FHC nas eleições para o Senado.
Na campanha presidencial de 2002, em que Lula derrotou o tucano José Serra, mais ou menos candidato de FHC, não houve nenhum embate mais duro entre os dois. E levei mesmo a impressão de que FHC não ficou triste com a vitória de Lula.
Em 2003, depois de FHC lhe passar a faixa presidencial, Lula foi-se despedir dele na porta do elevador, deu-lhe um abraço, e disse: "Quero que você fique sabendo que deixa um amigo aqui no Palácio do Planalto".
Aos poucos, no entanto, no eterno embate entre PT e PSDB, os dois foram-se afastando e as críticas mútuas tornaram-se cada vez mais ácidas.
Nas voltas que a vida dá, em seu segundo mandato Lula acabou se aliando aos senadores José Sarney, do PMDB, e Fernando Collor, do PTB, e FHC assumiu o papel de principal líder da oposição, que exerce até hoje.
Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, onde ex-presidentes não disputam mais eleições e deixam o dia a dia da vida partidária para se dedicar a outras causas, no Brasil quem já ocupou o Palácio do Planalto recusa-se a desencarnar do poder, como Lula anunciava que pretendia fazer ao final de seu governo.
Durante a conversa no avião, quem sabe, acertaram-se alguns ponteiros, tiraram-se a limpo diferenças e mágoas do passado e se evitaram cobranças tardias, que já não fazem mais sentido. Acho muito difícil, porém, que possam ter provocado qualquer mudança nas atuais relações partidárias e pessoais.
Por seu gesto generoso, ao convidar os quatro para acompanhá-la no funeral de quem sempre pregou a paz, a presidente Dilma colaborou para pelo menos desanuviar um pouco o clima de Fla-Flu que já tomou conta do país, a pouco menos de dez meses das eleições presidenciais. Para ela, apesar da correria e do cansaço, certamente valeu a viagem.
Ponto para Dilma.
Os cinco saíram do Rio de Janeiro ao meio dia de segunda-feira, chegaram a Johannesburgo, na África do Sul, às duas horas da madrugada e já estavam de pé às oito da manhã de hoje para participar das cerimônias fúnebres.
Neste fulminante bate e volta, em que pela primeira vez Dilma conseguiu reunir os quatro ex-presidentes na mesma cerimônia, pouco importa o que eles tenham conversado, até porque, eu não sei _ e acho que nunca vamos saber exatamente o que foi falado.
O voo valeu mais pelo que tem de simbólico, já que na nossa política eventuais adversários muitas vezes são tratados como inimigos e não há uma tradição de cortesia entre os que já ocuparam o principal cargo do país, ao contrário do que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos.
Se por acaso faltou assunto, e o cansaço superou a vontade de conversar, certamente não faltaram lembranças para ocupar o tempo de voo. Assim de cabeça, lembro-me de algumas que devem ter passado pelas cabeças presidenciais ao olharem para o ilustre passageiro a seu lado.
Hoje, só Fernando Henrique Cardoso não faz parte da ampla aliança governamental em torno de Dilma, mas em outros momentos já foi bem diferente a relação entre os quatro ex-presidentes.
Por ordem cronológica, em 1989, Lula e Collor disputaram para ver quem batia mais no então presidente José Sarney, que assumiu o cargo por acaso com a morte do presidente eleito, Tancredo Neves, antes de tomar posse. Ambos chamavam Sarney de corrupto, no mínimo.
Venceu Collor e, dois anos depois, Lula e FHC estavam subindo nos mesmos palanques, que já haviam frequentado juntos na campanha das Diretas Já, para pedir o impeachment do presidente eleito, que foi cassado em seu terceiro ano de mandato. Corrupção do presidente também foi o tema que dominou os discursos dos dois.
Em lugar de Collor, assumiu o vice Itamar Franco, que chamou FHC para ser ministro _, primeiro, de Relações Exteriores e, depois, da Fazenda _ e o ajudou a se eleger presidente na sua sucessão, em que derrotou Lula no primeiro turno. Em 1998, FHC repetiu a dose e foi reeleito no primeiro turno contra Lula.
Até aí, no entanto, os dois tinham uma boa relação pessoal, que começou nas lutas contra a ditadura e se estreitou na campanha legislativa de 1978, em que Lula apoiou FHC nas eleições para o Senado.
Na campanha presidencial de 2002, em que Lula derrotou o tucano José Serra, mais ou menos candidato de FHC, não houve nenhum embate mais duro entre os dois. E levei mesmo a impressão de que FHC não ficou triste com a vitória de Lula.
Em 2003, depois de FHC lhe passar a faixa presidencial, Lula foi-se despedir dele na porta do elevador, deu-lhe um abraço, e disse: "Quero que você fique sabendo que deixa um amigo aqui no Palácio do Planalto".
Aos poucos, no entanto, no eterno embate entre PT e PSDB, os dois foram-se afastando e as críticas mútuas tornaram-se cada vez mais ácidas.
Nas voltas que a vida dá, em seu segundo mandato Lula acabou se aliando aos senadores José Sarney, do PMDB, e Fernando Collor, do PTB, e FHC assumiu o papel de principal líder da oposição, que exerce até hoje.
Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, onde ex-presidentes não disputam mais eleições e deixam o dia a dia da vida partidária para se dedicar a outras causas, no Brasil quem já ocupou o Palácio do Planalto recusa-se a desencarnar do poder, como Lula anunciava que pretendia fazer ao final de seu governo.
Durante a conversa no avião, quem sabe, acertaram-se alguns ponteiros, tiraram-se a limpo diferenças e mágoas do passado e se evitaram cobranças tardias, que já não fazem mais sentido. Acho muito difícil, porém, que possam ter provocado qualquer mudança nas atuais relações partidárias e pessoais.
Por seu gesto generoso, ao convidar os quatro para acompanhá-la no funeral de quem sempre pregou a paz, a presidente Dilma colaborou para pelo menos desanuviar um pouco o clima de Fla-Flu que já tomou conta do país, a pouco menos de dez meses das eleições presidenciais. Para ela, apesar da correria e do cansaço, certamente valeu a viagem.
Ponto para Dilma.