Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Nelson Mandela morreu na condição rara e merecida de herói da humanidade. A derrota do apartheid sul-africano marcou uma derrota fundamental do sistema colonial, construído ao longo de cinco séculos de história.
A estatura atual de Mandela não deve obscurecer o cidadão concreto nem a situação real de onde ele emergiu. Sua luta envolveu adversários poderosos e bem colocados na economia mundial, que tiveram um papel decisivo na preservação de um regime que sempre causou horror na maioria das pessoas do século XX – mas era mantido e alimentado em função dos ganhos que gerava a seus beneficiários, dentro e fora do país.
Não se pode compreender a longa temporada de Mandela na prisão – de onde saiu, certa vez, com princípio de tuberculose – nem a absurda sobrevivência de um sistema de opressão dos mais infames que a humanidade já conheceu sem entender o papel das chamadas potencias ocidentais em sua preservação.
Na década de 1980, quando a luta contra o apartheid já provocava gestos de repúdio internacional e até boicote econômico, o presidente Jacques Chirac, principal estrela do conservadorismo francês do período, fez diversos exercícios para reforçar a musculatura da elite branca que submetia o país inteiro. Sob François Mitterrand o governo francês havia conseguido impor sanções através da ONU e retirou o embaixador de Pretória. O país também dava abrigo a exilados importantes. De volta ao poder, Chirac reabriu a embaixada, cortejou lideranças negras que negociavam pactos de preservação com o regime sul-africano e ainda enviou uma comitiva de parlamentares em missão de boa vontade: “o apartheid não existe,” disseram eles, de volta a Paris.
Chirac era capaz de dizer frases de um tipo de pedantismo bem conhecido: “Condeno o apartheid de forma veemente mas a questão é extremamente complexa.”
O fato é que não estava só em meio a tantas “complexidades”. Líderes da grande reação conservadora dos anos 1980, que implicou em ataques a direitos e conquistas dos trabalhadores e da população mais pobre no mundo inteiro, Ronald Reagan e Margareth Thatcher mostraram, também no África do Sul, que tinham uma visão bastante peculiar, “complexa”, é claro, daquilo que chamavam de estado mínimo e direitos individuais. Davam-se as mãos para reforçar o estado máximo que combatia Mandela enquanto sustentavam, por exemplo, a ditadura também máxima de Augusto Pinochet no Chile.
Com o velho pretexto de que era preciso combater o comunismo, faziam o possível para evitar toda mudança, toda alteração no estado de coisas que pudesse democratizar o país e entregar o governo a sua maioria de cidadãos. Thatcher chegou a opor-se a simples missões de caráter humanitário a África do Sul, lembra Jack Lang, ex-ministro de Cultura da França, no livro “Nelson Mandela, lição de uma vida.”
Quando Mandela conquistou o direito de fazer pronunciamentos públicos, um dos assessores de Thatcher desqualificou suas declarações como uma prova de que “o sofrimento não havia lhe ensinado nada”.
Principal liderança política de um continente que forneceu a mão de obra que colocou de pé boa parte da riqueza que se conhece no planeta, e jamais foi devidamente recompensada por isso, é natural que Mandela seja alvo de estudo e admiração. O empenho dos aliados do apartheid para preservar um regime criminoso ajuda a entender mesmo vitórias tão admiráveis estão longe de constituir um conto de fadas.
Nelson Mandela morreu na condição rara e merecida de herói da humanidade. A derrota do apartheid sul-africano marcou uma derrota fundamental do sistema colonial, construído ao longo de cinco séculos de história.
A estatura atual de Mandela não deve obscurecer o cidadão concreto nem a situação real de onde ele emergiu. Sua luta envolveu adversários poderosos e bem colocados na economia mundial, que tiveram um papel decisivo na preservação de um regime que sempre causou horror na maioria das pessoas do século XX – mas era mantido e alimentado em função dos ganhos que gerava a seus beneficiários, dentro e fora do país.
Não se pode compreender a longa temporada de Mandela na prisão – de onde saiu, certa vez, com princípio de tuberculose – nem a absurda sobrevivência de um sistema de opressão dos mais infames que a humanidade já conheceu sem entender o papel das chamadas potencias ocidentais em sua preservação.
Na década de 1980, quando a luta contra o apartheid já provocava gestos de repúdio internacional e até boicote econômico, o presidente Jacques Chirac, principal estrela do conservadorismo francês do período, fez diversos exercícios para reforçar a musculatura da elite branca que submetia o país inteiro. Sob François Mitterrand o governo francês havia conseguido impor sanções através da ONU e retirou o embaixador de Pretória. O país também dava abrigo a exilados importantes. De volta ao poder, Chirac reabriu a embaixada, cortejou lideranças negras que negociavam pactos de preservação com o regime sul-africano e ainda enviou uma comitiva de parlamentares em missão de boa vontade: “o apartheid não existe,” disseram eles, de volta a Paris.
Chirac era capaz de dizer frases de um tipo de pedantismo bem conhecido: “Condeno o apartheid de forma veemente mas a questão é extremamente complexa.”
O fato é que não estava só em meio a tantas “complexidades”. Líderes da grande reação conservadora dos anos 1980, que implicou em ataques a direitos e conquistas dos trabalhadores e da população mais pobre no mundo inteiro, Ronald Reagan e Margareth Thatcher mostraram, também no África do Sul, que tinham uma visão bastante peculiar, “complexa”, é claro, daquilo que chamavam de estado mínimo e direitos individuais. Davam-se as mãos para reforçar o estado máximo que combatia Mandela enquanto sustentavam, por exemplo, a ditadura também máxima de Augusto Pinochet no Chile.
Com o velho pretexto de que era preciso combater o comunismo, faziam o possível para evitar toda mudança, toda alteração no estado de coisas que pudesse democratizar o país e entregar o governo a sua maioria de cidadãos. Thatcher chegou a opor-se a simples missões de caráter humanitário a África do Sul, lembra Jack Lang, ex-ministro de Cultura da França, no livro “Nelson Mandela, lição de uma vida.”
Quando Mandela conquistou o direito de fazer pronunciamentos públicos, um dos assessores de Thatcher desqualificou suas declarações como uma prova de que “o sofrimento não havia lhe ensinado nada”.
Principal liderança política de um continente que forneceu a mão de obra que colocou de pé boa parte da riqueza que se conhece no planeta, e jamais foi devidamente recompensada por isso, é natural que Mandela seja alvo de estudo e admiração. O empenho dos aliados do apartheid para preservar um regime criminoso ajuda a entender mesmo vitórias tão admiráveis estão longe de constituir um conto de fadas.