Médica cubana: "SABEMOS que o dinheiro que vai para o governo cubano vai FINANCIAR A SAÚDE E A EDUCAÇÃO QUE VÃO BENEFICIAR NOSSOS FILHOS.”
‘Hay’ que curar sem perder a ternura
Hotel no Centro se transforma num prolongamento de Cuba, com 76 médicos que vieram trabalhar por aqui
A médica cubana Odalis Mendes está com o coração dividido. Por um lado, sente-se ansiosa e animada em conhecer uma realidade diferente da sua e por poder exercer os seus conhecimentos médicos com a população carente de São Paulo. Por outro, morre de saudades do filho de apenas 2 anos que deixou em Cuba, aos cuidados do marido, um técnico em raio-X.
Odalis faz parte do contingente de 76 profissionais cubanos que vão atuar na cidade por meio do programa federal Mais Médicos. Ao contrário dos colegas venezuelanos, argentinos, portugueses, bolivianos, uruguaios e espanhóis que participam do programa, os cubanos vão ficar com apenas cerca de R$ 1.260 dos R$ 10 mil pagos mensalmente pelo governo federal a cada um dos profissionais. O restante ficará com o governo de seu país.
“Mas temos humanidade e internacionalismo em nossos corações e nos dispomos a ajudar quem precisa dos nossos conhecimentos”, afirmou Odalis. “Além disso, sabemos que o dinheiro que vai para o governo cubano vai financiar a saúde e a educação que vão beneficiar nossos filhos.”
E mesmo os R$ 1.260 representam muito para os profissionais cubanos, já que com esse salário vão praticamente dobrar o rendimento que recebem em Cuba. “Com o que vou receber aqui no Brasil vou poder melhorar a condição de toda a minha família, filho, marido, pais e avós que moram comigo”, disse a médica.
O grupo de cubanos que vai atuar em São Paulo está todo hospedado no Hotel Excelsior, na Avenida Ipiranga, no Centro, em apartamentos duplos que custam R$ 280 cada um. Ficam lá enquanto estão sendo treinados. Daqui a aproximadamente dez dias cada um vai para a região a qual foi designado.
“Enquanto isso, nas horas vagas, estamos conhecendo a cidade”, disse Odalis, orgulhosa com as fotos que tem tirado no tablet oferecido aos médico — um luxo pouco acessível em Cuba. O grupo já esteve no Teatro Municipal e na Avenida Paulista e tem sido orientado a tomar cuidado com a violência da cidade.
Alegres e falantes, eles não passam despercebidos na região em que estão morando. Afinal, nunca se viu tanto cubano junto em São Paulo. Para se ter uma ideia, a cidade inteira tinha 304 imigrantes daquele país segundo o último Censo do IBGE. Agora, só naquele pedaço são 76.
Entrevista: Aldo Fornazieri, cientista político da Fundação Escola de Sociologia e Política
O pouco que os médicos vão embolsar é muito em Cuba
Diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, ele acredita que o fator econômico é preponderante na decisão de um cubano deixar o seu país e a família para vir atuar no Brasil.
DIÁRIO: Na sua opinião, o que move um cubano a deixar seus familiares e o país para atuar por três anos aqui no Brasil?
ALDO FORNAZIERI: São vários os fatores. O desejo de conhecer outras realidades, o sentimento de querer ajudar quem necessita com o seu conhecimento médico e a questão econômica.
Eles estão mais interessados no que vão receber diretamente ou no que vão gerar de recursos ao país deles?
Nas duas coisas. Vão ganhar muito mais do que ganhariam em Cuba, isso é fato. Mas eles também têm a consciência de que vão ajudar o próprio país com o trabalho deles, já que a maior parte fica com o governo cubano. Sabem que isso vai ajudar a manter o país com serviços como educação e saúde gratuitos para a população e seus filhos se beneficiarão disso. Os cubanos têm desde muito cedo essa noção e o patriotismo. E já fazem há muito tempo esses intercâmbios.
Ao todo, 94 estrangeiros já se apresentaram em São Paulo
No início de novembro, mais 81 profissionais intercambistas , sendo 76 cubanos, um brasileiro, dois venezuelanos, um uruguaio e um espanhol, do programa federal Mais Médicos se apresentaram nas 58 Unidades Básicas de Saúde da capital. Eles vão atuar em UBSs com Estratégia Saúde da Família. Desse total, 16 serão enviados para a Coordenadoria Regional de Saúde Sudeste, 16 para a Norte, 35 para a Sul e 14 para a Leste. As unidades contempladas estão dentro do critério do programa, que é estar situada nos setores avaliados pelo IBGE como de maior vulnerabilidade social. A maioria das unidades de saúde vai receber um profissional. A UBS Reunidas, na região Sudeste, e a UBS Chácara do Conde, na Sul, vão receber três médicos cada. Na primeira fase do programa na capital se apresentaram 16 médicos, sendo três brasileiros, que já estão clinicando, e 13 intercambistas.
MAIS
R$ 10 mil é a bolsa do programa
R$ 8.740 é a parte retida pelo governo cubano
R$ 1.260 é a parte recebida pelo médico