Réu, ex-agente do Dops nega crimes da ditadura e diz que Ustra e Fleury são 'heróis nacionais'
Guilherme Balza
Do UOL, em São Paulo
Do UOL, em São Paulo
"Eles querem tirar sarro da gente, querem ficar gozando. Ficam me olhando como se eu fosse um delinquente". Essas foram as primeiras palavras do delegado de Polícia Civil e ex-agente do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) Carlos Alberto Augusto ao sentar pela primeira vez no banco dos réus, diante de uma plateia formada por ex-presos políticos e familiares de vítimas da ditadura.
Acusado pelo MPF (Ministério Público Federal) de participação no sequestro do corretor de imóveis Edgar de Aquino Duarte em 1971, Augusto participou nesta segunda-feira (9) de audiência na 9ª Vara Criminal da Justiça Federal em São Paulo. Nunca antes um colaborador da ditadura havia sentado no banco dos réus.
Logo no início da sessão, "Carlinhos Metralha", como era conhecido pelos militares e presos políticos, afirmou que os presentes lhe provocavam, embora a reportagem não tenha visto qualquer manifestação da plateia contra o réu.
Na audiência de hoje, depuseram José Damião de Lima Trindade, Artur Machado Schiavoni e Pedro Rocha Filho. Todos participaram de organizações que se opunham à ditadura e ficaram presos no DOI-Codi, onde foram submetidos a tortura.
Atualmente delegado no município de Itatiba (84 km de São Paulo), Carlinhos Metralha é réu na ação penal movida pelo MPF junto com o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra e o ex-delegado do Dops Alcides Singillo, que também sentou no banco dos réus durante a audiência. Alegando problemas de saúde, Ustra não compareceu.
A tese do MPF para conseguir a condenação dos três é de que, como Edgar não foi localizado após a prisão, o crime de sequestro continua ocorrendo. Neste caso, a Lei da Anistia não se aplicaria, no entendimento dos procuradores. O MPF diz ter documentos e provas de que Edgar esteve preso no DOI-Codi e no Dops de São Paulo entre 1971 e 1973.
O MPF sustenta que Edgar foi sequestrado porque era amigo e morava com José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, que foi seu colega na Marinha. Inicialmente, Anselmo era opositor do regime militar e chegou a se exiliar em Cuba. Num dado momento, passou a atuar como informante dos órgãos de repressão, já que detinha informações privilegiados sobre as organizações de resistência à ditadura.
As três testemunhas que depuseram hoje disseram que ficaram presas no DOI-Codi na mesma época que Edgar. Os três foram enfáticos ao afirmar que Ustra acompanhava a sessão de torturas e comandava os demais que atuavam no DOI-Codi.
Ao longo da audiência, enquanto as testemunhas prestavam depoimento, Carlinhos Metralha gesticulou bastante, ora concordando, ora aparentando debochar do que era dito.
Questionado se teme ser condenado pelo sequestro, o delegado respondeu: "Vocês da imprensa estão totalmente desorientados. Se estivesse ocorrido crime, já estava prescrito. Depois, estão desrespeitando a Lei da Anistia. Se eu não cometi crime nenhum, por que vou ser condenado? A imprensa quer me condenar?"
O ex-agente do Dops negou que tenha havido tortura no departamento e disse que os crimes atribuídos à ditadura são invenção do "caguetas" --termos usado para referir-se aos presos políticos que ele acusa de serem alcaguetes (delatores). "É mentira. é que esse bando de caguetas dizem: 'Aí, eu entreguei você porque tomei um pau'. É tudo cagueta esses caras. Fiquei infiltrado no meio desses canalhas, traidores da pátria."
Inconformado com a situação de réu, Carlinhos Metralha promete deixar a Polícia Civil e candidatar-se à governador de São Paulo para poder dizer "toda a verdade".
"Vocês jornalistas já foram desde pequenos preparados. Mentiram para vocês nas escolas, nas faculdades. A verdade vai começar a aparecer agora com os meus depoimentos. Daqui pra frente não vou me calar. Vou deixar de ser delegado operacional. Vou ser político para poder desmentir esses facínoras, assaltantes, sequestradores, que no passado deixaram o país correndo risco, colocando bombas, sequestrando aviões", afirmou.
Em seguida, Carlinhos Metralha elogiou o delegado e seu chefe no Dops Sérgio Paranhos Fleury, além do coronel Ustra. "Fleury foi herói nacional, comandante Ustra foi herói nacional. Nossa equipe impediu que implantassem o comunismo. Cuba não tem a liberdade que vocês têm aqui hoje. Graças às Forças Armadas é que estamos tendo a liberdade de hoje."
Na saída do tribunal, ambos foram "saudados" por cinco manifestantes com cartazes de apoio aos militares e com ataques aos opositores da ditadura.
Acusado pelo MPF (Ministério Público Federal) de participação no sequestro do corretor de imóveis Edgar de Aquino Duarte em 1971, Augusto participou nesta segunda-feira (9) de audiência na 9ª Vara Criminal da Justiça Federal em São Paulo. Nunca antes um colaborador da ditadura havia sentado no banco dos réus.
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A partir desta segunda-feira até quarta-feira, a 9ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo vai ouvir testemunhas de acusação do sumiço do corretor de valores Edgar de Aquino Duarte, desaparecido desde 1973. Os réus são o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra e os delegados de polícia Alcides Singillo e Carlos Alberto Augusto, o Carlos Metralha (na foto, chegando ao Tribunal de Justiça de São Paulo). É a primeira vez que agentes da repressão serão confrontados com testemunhas de acusação de um crime cometido durante a ditadura Leia mais Michel Filho/O Globo
Na audiência de hoje, depuseram José Damião de Lima Trindade, Artur Machado Schiavoni e Pedro Rocha Filho. Todos participaram de organizações que se opunham à ditadura e ficaram presos no DOI-Codi, onde foram submetidos a tortura.
Atualmente delegado no município de Itatiba (84 km de São Paulo), Carlinhos Metralha é réu na ação penal movida pelo MPF junto com o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra e o ex-delegado do Dops Alcides Singillo, que também sentou no banco dos réus durante a audiência. Alegando problemas de saúde, Ustra não compareceu.
A tese do MPF para conseguir a condenação dos três é de que, como Edgar não foi localizado após a prisão, o crime de sequestro continua ocorrendo. Neste caso, a Lei da Anistia não se aplicaria, no entendimento dos procuradores. O MPF diz ter documentos e provas de que Edgar esteve preso no DOI-Codi e no Dops de São Paulo entre 1971 e 1973.
O MPF sustenta que Edgar foi sequestrado porque era amigo e morava com José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, que foi seu colega na Marinha. Inicialmente, Anselmo era opositor do regime militar e chegou a se exiliar em Cuba. Num dado momento, passou a atuar como informante dos órgãos de repressão, já que detinha informações privilegiados sobre as organizações de resistência à ditadura.
As três testemunhas que depuseram hoje disseram que ficaram presas no DOI-Codi na mesma época que Edgar. Os três foram enfáticos ao afirmar que Ustra acompanhava a sessão de torturas e comandava os demais que atuavam no DOI-Codi.
Ao longo da audiência, enquanto as testemunhas prestavam depoimento, Carlinhos Metralha gesticulou bastante, ora concordando, ora aparentando debochar do que era dito.
Crimes da ditadura são invenção, diz delegado
Em entrevista ao final da sessão, Carlinhos Metralha afirmou ter sido o responsável por convencer Cabo Anselmo a mudar de lado e passar a ajudar os militares. Disse, entretanto, nunca ter visto Edgar nas dependências do Dops, onde chefiava a delegacia que investigava organizações sindicais. Afirmou que a Justiça Federal e os procuradores, que o acusam de ter prendido o corredor de imóveis, estão sendo "manipulados pelo governo federal".Questionado se teme ser condenado pelo sequestro, o delegado respondeu: "Vocês da imprensa estão totalmente desorientados. Se estivesse ocorrido crime, já estava prescrito. Depois, estão desrespeitando a Lei da Anistia. Se eu não cometi crime nenhum, por que vou ser condenado? A imprensa quer me condenar?"
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14.ago.2013 - Em sessão das comissões Nacional e Estadual da Verdade no Rio, o advogado José Carlos Tórtima (à direita) acusa o major Walter Jacarandá de tê-lo torturado durante a ditadura militar (1964 - 1985). "Nunca é tarde, major, para o senhor se conciliar com essa sociedade ultrajada por essas barbaridades que pessoas como o senhor cometeram", afirmou Tórtima. O militar admitiu ter participado de sessões de tortura no DOI-Codi, no Rio. Foram ouvidos seis ex-presos políticos que foram presos e torturados nas dependências do DOI-Codi, localizado na rua Barão de Mesquita, na Tijuca. A audiência pública tratou da morte, no mesmo local, de Mário Alves, líder do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), em 1970 Thiago Vilela/CNV
Inconformado com a situação de réu, Carlinhos Metralha promete deixar a Polícia Civil e candidatar-se à governador de São Paulo para poder dizer "toda a verdade".
"Vocês jornalistas já foram desde pequenos preparados. Mentiram para vocês nas escolas, nas faculdades. A verdade vai começar a aparecer agora com os meus depoimentos. Daqui pra frente não vou me calar. Vou deixar de ser delegado operacional. Vou ser político para poder desmentir esses facínoras, assaltantes, sequestradores, que no passado deixaram o país correndo risco, colocando bombas, sequestrando aviões", afirmou.
Em seguida, Carlinhos Metralha elogiou o delegado e seu chefe no Dops Sérgio Paranhos Fleury, além do coronel Ustra. "Fleury foi herói nacional, comandante Ustra foi herói nacional. Nossa equipe impediu que implantassem o comunismo. Cuba não tem a liberdade que vocês têm aqui hoje. Graças às Forças Armadas é que estamos tendo a liberdade de hoje."
"Proletarismo"
Bem mais contido durante a audiência e nas entrevistas, Alcides Singillo também negou ter conhecido Edgar e disse que nunca houve tortura no Dops. Questionado sobre uma eventual condenação, respondeu que não fez nada de errado. "Salvei a pátria do proletarismo (sic)."Na saída do tribunal, ambos foram "saudados" por cinco manifestantes com cartazes de apoio aos militares e com ataques aos opositores da ditadura.