A abominável hipocrisia diante da violência nos estádios

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  • terça-feira, 10 de dezembro de 2013
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  • 10 de Dezembro de 2013 | 07:03 Autor: Fernando Brito
    torcida

    O mestre Janio de Freitas – sempre ele – é quem tem a coragem de sangrar a ferida da hipocrisia que há muitos anos acompanha os  repetidos e repetidos episódios de violência entre torcidas de futebol.
    A mídia – sobretudo a imprensa esportiva, onde comecei minha carreira – os chama de bandidos, de vândalos, mas não se empenha numa campanha, como deveria ser seu papel, de apontar suas ligações com o “negócio” do futebol, do qual se nutrem. E não se culpe todos os repórteres: um setorista de clube que se meter a apurar e publicar o que se passa nestes subterrâneos vai, com certeza, arruinar sua capacidade de falar do lado esportivo, pois será boicotado e bloqueado em tudo.
    Disso, Janio fala com o talento que há sempre de me faltar, diante dele.
    Mas quero acrescentar algo em que o mestre não toca.
    O papel vergonhoso do Ministério Público diante destes acontecimentos monstruosos.
    Interditar o estádio é como a velha história de “tirar o sofá da sala”.
    Vetar a presença da força policial pública num espetáculo que é público – ainda que explorado privadamente – é mais que uma imprudência, é omissão.
    A nota do Ministério Público de Santa Catarina é um acinte de “privatismo”: ““Caberia aos promotores do evento, no caso os representantes do Atlético Paranaense, a contratação de segurança privada para a atuação nas áreas não acessíveis ao público, bem como para a formação e/ou vigilância da barreira que deveria dividir as torcidas”.
    Ora, suas excelências só podem estar no mundo da lua, para dizer o mínimo. Cabe ao Estado prevenir confrontos que não são apenas possíveis, mas previsíveis num jogo de futebol, ainda mais um decisivo. Há vidas, integridade física e regras de convívio humanos expostas a risco evidente.
    O correto é que paguem ao Estado, formalmente,  por um policiamento nos pontos sensíveis, oque jamais poderá ser feito apenas por empresas privadas de segurança, no que, aliás, há muitos interesses, inclusive da hierarquia policial, frequentemente “empresária” encoberta. No resto, sim,  pessoal privado, pago por eles.
    Afinal, todos – inclusive a TV – lucram com o negócio do futebol, podem perfeitamente arcar com os custos necessários.
    Qualquer um que tenha assistido as cenas dantescas da briga no Paraná vê que, houvesse uma dúzia de policiais militares de cada lado do folgadíssimo espaço que separava as duas torcidas, nada de grave teria acontecido. Não houve no “palco” da briga nada que se pudesse dizer que tornasse, ao menos ali, as condições do estádio impróprias ao espetáculo.
    Mas já escrevi muito. Janio de Freitas, de novo, faz isso com mais propriedade.

    Em volta das arquibancadas

     Janio de Freitas
    A grita em tantas direções não evita que seja difícil, senão impossível, encontrar entre os gritadores um que não seja corresponsável, em alguma medida, pelo espetáculo das bestas humanas nas arquibancadas de Joinville, e em todas as outras.
    Já que estamos por aqui, podemos começar pelos meios de comunicação. Nenhum jornal, TV, revista ou rádio se interessou, jamais, por encarar para valer a violência que invadiu os estádios, no Brasil todo, há muito tempo. Assim como os bestalhões cometem periodicamente os seus acessos de brutalidade aproveitando o futebol, a imprensa (vá lá, engloba tudo) faz o seu surto de críticas como subsidiário do espetáculo boçal. E logo se segue a pausa, a imprensa à espera da clarinada dos boçais.
    Na imprensa, poucos não sabem que muitos dos bandos são patrocinados com doações dos respectivos clubes, a pretexto de torcida para incentivo ao time. E que o patrocínio tem duplo interesse eleitoreiro, nas disputas pelo poder no clube e nas eleições político-partidárias: há muitos cabos eleitorais nas torcidas organizadas. É uma engrenagem bastante conhecida.
    Se a engrenagem cria um enguiço maior, nem por isso a gritaria subsidiária avançará necessariamente mais. O episódio da Bolívia é exemplar. De repente foi “descoberto” lá no litoral paulista um “dimenor” apresentado como disparador do rojão sobre torcedores bolivianos, com a consequência de matar um menino de 14 anos. À família da vítima foi dado, não uma indenização, mas um cala a boca monetário, como complemento da “solução” incumbida a uma charmosa advogada e comentarista de jornal da TV Cultura. Ali o bando de boçais pouco se distinguiu de um grupo de querubins.
    Se antes o assunto estava em estado mortiço, a “solução” cobriu-o de silêncio. Nem com tantos jornais, TVs, revistas e rádios, houve uma iniciativa de verificar se o “dimenor” ao menos viajou mesmo para a Bolívia, que algum rastro ficaria. Por falar nele, em que condições vivem, hoje, o próprio e sua família?
    A legislação para o problema é uma grande farsa. Foi elaborada mais com interesses políticos do que para regramento efetivo. A chamada Justiça Esportiva não tem como coibir a ferocidade nas arquibancadas, mas finge ter, com medidas idiotas como “o jogo com fechamento dos portões” e a perda de mando de campo, que punem os futuros times adversários do time “punido”. Mas assim se cumpre o objetivo dos mandatários do futebol, de não criarem problemas políticos e eleitorais para si e para seus correligionários.
    E as autoridades da ordem? A Polícia Civil de São Paulo mostrou ontem o que é um verdadeiro trabalho policial. Prendeu duas dezenas de desordeiros e ladrões que investigou desde outubro, quando a morte de um menino por tiro policial serviu de pretexto para a interrupção da rodovia Fernão Dias, roubo de cargas e de caminhões, saques a lojas e incêndios de ônibus. Foi investigação, foi infiltração, foram interrogatórios, com um resultado que, por certo, irá além desse episódio: vai atemorizar muitos dos que têm feito tais ações sem dificuldade no ato e no pós-ato.
    O trabalho excelente nesse caso demonstra que é possível identificar, prender e processar a quase totalidade dos criminosos das arquibancadas, e não só dois ou três como é feito, quando é feito. O que demonstra, também, que se não é feito é porque os governantes estaduais não querem e os setores que lhes podem cobrar não os cobram de verdade, não os põem xeque.
    A gritaria tem razão de ser. Mas é também contra si mesma.

    Também do Blog TIJOLAÇO.
     
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