Mensalão: Joaquim Barbosa e o sentido da tragédia

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  • segunda-feira, 25 de novembro de 2013
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  • O Ministro Joaquim Barbosa não tem mais utilidade. Deve começar a ser desconstruído pelas mesmas forças a que serviu e às quais passa agora a ser um incômodo.

    No post anterior, tratei do que via de perdas pessoais, humanas no julgamento da AP 470. Preferi tratar Joaquim Barbosa como um caso à parte. Não que ele não seja um perdedor. Na AP 470 não há vencedores. E Joaquim Barbosa é um dos grandes perdedores.

    O Ministro Joaquim Barbosa é patético. Carrega consigo uma dimensão trágica, como só os patéticos conseguem ter. Mas não trágico como Otelo, pois que Otelo não era patético. Patético e trágico tal qual Macbeth.

    E, coerente a Macbeth, se os maus presságios que me desassossegam a alma a respeito de sua pessoa estiverem certos, Joaquim Barbosa estará cumprindo uma trajetória parabólica que começa sua descendente.

    O início:

    A indicação de Joaquim Barbosa ao STF foi um gesto político de Lula. Mas esse gesto político, uma justa homenagem e uma forma de reparação aos negros do Brasil, também é uma maldição a pesar sobre o indicado.

    Interessante, poderia pesar também sobre a ex-ministra Ellen Gracie, a primeira mulher a assumir como ministra da suprema corte do Brasil. No entanto, todos parecem entender o gesto político de sua indicação, mas ninguém considera que ela foi escolhida apenas por ser mulher. Por que isso pesa sobre os ombros de Joaquim Barbosa? Pesaria sobre os ombros de qualquer outro negro que assumisse o cargo?

    De Frei Beto sobre Joaquim Barbosa:

    “Em março (2003), Márcio Thomaz Bastos (então, ministro da Justiça) indagou se eu conhecia um negro com perfil para ocupar vaga no STF. Lula pretendia nomear um para a suprema corte do país. Lembrei-me de Joaquim Barbosa”.

    Conhecera-o, meses antes, de forma prosaica, em uma agência de viagens, em 2002, quando o, então, procurador Joaquim Barbosa cultivava a arte de ser simpático e ainda cuidava de suas próprias passagens aéreas:

    “Instalei-me no primeiro banco vazio, ao lado de um cidadão negro que nunca vira.

    - Você é o Frei Betto? – indagou-me.

    Confirmei. Apresentou-se: Joaquim Barbosa… Trocamos ideias e, ao me despedir, levei dele o cartão e a boa impressão.”

    E assim, ficou a indicação de Barbosa em função de sua cor e não de sua capacidade, apesar de sua respeitável formação acadêmica e de ter alçado aos cargos que ocupou sempre por concurso público.

    Do ex-ministro Cesar Peluso sobre Barbosa:

     “A impressão que tenho é de que ele tem medo de ser qualificado como arrogante.Tem receio de ser qualificado como alguém que foi para o Supremo não pelos méritos, que ele tem, mas pela cor”.

    Ou seja, como aos negros em geral, neste país, não era dado a Joaquim Barbosa o reconhecimento de estar em pé de igualdade nem quando alcançava o ponto máximo da carreira a que se propôs seguir.

    Isso o incomoda? Basta ver o seu comentário após entrevero com o ministro Gilmar Mendes:

    “Enganam-se os que pensavam que o STF iria ter um negro submisso, subserviente.”

    Ou quando da resposta que deu a Peluso:

     “sempre houve um ou outro engraçadinho a tomar liberdades comigo, achando que a cor da minha pele o autorizava a tanto”. “porque alguns brasileiros não negros se acham no direito de tomar certas liberdades com negros”.  “Sempre minha resposta veio na hora, dura.”

    Permitamo-nos um interregno, é interessante como, realmente, o tempo é o senhor da história. Comparemos a imagem que se forma hoje sobre Joaquim Barbosa – presidente do STF e a crítica do Ministro Joaquim Barbosa ao então presidente Cezar Peluso, em 2012:

     “as pessoas guardarão na lembrança a imagem de um presidente do STF conservador, imperial, tirânico, que não hesitava em violar as normas quando se tratava de impor à força a sua vontade”.

    Voltando à história de Joaquim Barbosa, empossado ministro e com problemas ortopédicos, começam a fazer-lhe a fama de relapso com suas obrigações. Suas várias licenças médicas são vistas como uma forma de se ausentar do trabalho. Flagram-no bebendo em um bar, confraternizando com amigos durante uma das licenças.

    Preto e indolente. Não é outro o motivo de sua discussão com o Ministro Gilmar Mendes:

    Eles discutiam duas ações que já haviam sido julgadas no Supremo em 2006:

    “JB - Não se discutiu claramente.

    GM - Se discutiu claramente e eu trouxe razão. Talvez Vossa Excelência esteja faltando às sessões. [...] Tanto é que Vossa Excelência não tinha votado. Vossa Excelência faltou à sessão.

    JB - Eu estava de licença, ministro.

    GM - Vossa Excelência falta à sessão e depois vem...”

    Aqui, outra vez, o tempo arma uma arapuca para Joaquim Barbosa usando suas próprias palavras. Na resposta já clássica de deu a Gilmar Mendes:

    “Vossa Excelência está destruindo a justiça deste país...Vossa excelência não está nas ruas, Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro. ...Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar”.

    “Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do judiciário brasileiro”.

    Uma das acusações que se faz à AP 470 é justamente em relação ao seu caráter midiático. Os grandes grupos de mídia pautando o Supremo e Joaquim Barbosa a sua estrela maior.

    A ascensão:

    A mudança dos “donos do poder” em relação ao Ministro Joaquim Barbosa começa com a sua indicação para a relatoria da AP 470 – O mensalão.

    A Ministra Carmen Lúcia não pode ser considerada uma “bruxa shakespeariana”, longe disso, mas, tal qual elas, foi profética, em 2007, ao comentar o que ocorreria com Joaquim Barbosa, a partir dessa relatoria, em uma troca de correspondência com o Ministro Lewandowisk flagrada por jornalistas bisbilhoteiros:

    “Esse vai dar um salto social com o julgamento”

    Com quanto possa carregar uma ponta de preconceito, o comentário de Carmen Lúcia denuncia que já era sabido, desde então, que o julgamento do “mensalão” era uma porta para a ascensão social. Claro, desde que as coisas certas fossem feitas. O ministro Lewandowisk, por exemplo, foi o revisor desse processo e ninguém dirá que obteve um “salto social”. O Ministro Celso Mello sentiu na pele o que é “não fazer a coisa certa”.

    Mas, como vimos de seu diálogo com Frei Beto, Joaquim Barbosa sabia fazer a coisa certa.

    A sua atuação como magistrado, na AP 470, ainda será estudo de caso nos cursos de direito, tal o grau de “inovação”, se não, de desrespeito aos mais basilares direitos dos réus. Mas condenar o PT na figura de José Dirceu era a “coisa certa” que esperavam de Joaquim Barbosa. As outras 39 almas eram o bônus e Joaquim Barbosa não se fez de rogado em pena-las.

    Desde então, o “preto indolente” transformou-se em “o menino pobre que mudou o Brasil”.

    Passou a ser cumprimentado nas ruas, dava autógrafos. Nas fotos que vi, todos os que o cumprimentavam eram brancos de classe média, mas todos sorridentes e orgulhosos em estar junto do novo herói, Batman ou Anjo Vingador.

    A brutalidade e a intolerância com que conduzia o julgamento foram relevadas – traços de uma personalidade “mercurial”, dizia a Folha.

    Tudo lhe era permitido, de negar cumprimento à Presidente da República na recepção ao Papa a ofender jornalista, desde que a “coisa certa” fosse feita.

    E ela foi feita, a condenação dos “mensaleiros” foi comemorada em manchetes da grande imprensa, dezoito minutos no “Jornal Nacional”. Algo só comparável ao frenesi quase orgiástico das grandes conquistas do esporte nacional.

    A queda:

    A partir daí, algo mudou na relação da grande imprensa para com Joaquim Barbosa.

    Sua atitude passou a ser relativizada. Em uma das muitas discussões com o Ministro Lewandowisk, chamou-o de “chicaneiro”. Coisas muito piores já havia dito – foi censurado publicamente. Agora, havia limites.

    Apareceu seu apartamento em Miami, adquirido com uma forma, digamos, “inovadora” em relação ao recolhimento de impostos. Apareceram suas passagens aéreas em viagens não oficiais.

    Por fim, Joaquim Barbosa cometeu o seu grande erro.

    Na busca pelos holofotes costumeiros, enviou para a prisão os mensaleiros que importavam, em dia de feriado nacional. Entre eles um homem convalescendo de extensa cirurgia cardíaca. Numa artimanha jurídica, pôs em regime fechado, por alguns dias, prisioneiros condenados ao semiaberto .

    Quando li, no dia seguinte, a palavra “brutalidade” na Folha de São Paulo se referindo a ele, quando, depois, Elio Gaspari, na mesma Folha, comparava sua atitude a de linchamento e, ainda depois, quando soube que a Globo noticiou no mesmo Jornal Nacional a carta de repúdio a ele dirigida por artistas, intelectuais e juristas, pensei – “foi para o tronco”.

    São esses os maus presságios que me desassossegam a alma – com os “mensaleiros” condenados e presos, o Ministro Joaquim Barbosa não tem mais utilidade. Deve começar a ser desconstruído pelas mesmas forças a que serviu e às quais passa agora a ser um incômodo.

    Incômodo não só pela associação aos seus métodos truculentos que precisa ser evitada. Incômodo porque, como vimos, Joaquim Barbosa só presta reverência a si próprio, não compõem nem demonstra “gratidão”.

    “A imprensa brasileira é toda ela branca, conservadora. O empresariado, idem. Todas as engrenagens de comando no Brasil estão nas mãos de pessoas brancas e conservadoras”.

    Joaquim Barbosa será presidente do STF até novembro de 2014, depois, passará a presidência para Ricardo Lewandowisk e retornará à planície árida do plenário. Como abrir mão da figura do “Anjo Vingador”?

    Joaquim Barbosa não encarna a figura do “menino pobre que mudou o Brasil”, esse é Lula. Oriundo da burocracia federal, é um classe-média típico.Típico até na necessidade de compensações simbólicas, e, no caso de Barbosa, até por outros e bons motivos. Estaria sonhando em ascender à alta burguesia, aos “donos do poder”?

    Se é essa a sua intenção, aprenderá, como Macbeth aprendeu em relação ao trono da Escócia, que “os donos do poder” são uma oligarquia hereditária.

    Sergio Saraiva
    No GGN
     
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