Dilma e o superávit primário

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  • segunda-feira, 25 de novembro de 2013
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  • Por Carlos Lopes, no jornal Hora do Povo:

    A presidente Dilma afirmou, no twitter, que o Brasil (e, especialmente, o governo) está muito bem porque somos um dos poucos países do mundo que faz “superávit primário”. Disse ela que “segundo projeções, apenas seis economias do G-20 (Arábia, Itália, Brasil, Turquia, Alemanha e Coreia do Sul) terão superávit primário em 2013”.


    A presidente, pelo visto, leu a última edição do “Monitor Fiscal” do FMI. No entanto, deveria confiar mais nos dados dessa publicação do que na arenga que os embrulha. Assim, poderia tirar conclusões próprias, o que sempre é importante para quem governa (e, aliás, para qualquer um).

    Até alguns anos atrás, nem mesmo existia o suposto conceito de “superávit primário”. Somente quando o FMI, agindo como leão-de-chácara dos bancos, sobretudo norte-americanos, resolveu estabelecer uma garantia extra para arrancar juros dos países, é que apareceu essa novidade.

    Rigorosamente, o “superávit primário” é a garantia de que, aconteça o que acontecer, morra quem morrer – crianças, idosos ou seja lá quem for - a pilhagem sobre o dinheiro público continuará locupletando bancos e demais especuladores. Essa garantia é uma espécie de latifúndio ou grilagem sobre o dinheiro público – mais exatamente, um butim composto de verbas públicas destinadas às “despesas primárias” (qualquer despesa não-financeira - ou seja, é um desvio do atendimento à população, da defesa e segurança do país e do estímulo ao crescimento).

    Em palavras claras: pelo critério da presidente Dilma, a saúde de uma economia, e de um governo, é determinada pela sua capacidade de desviar verbas da Saúde, Educação, Defesa, etc., para transferi-las, sob a forma de juros, aos bancos e outros achacadores, sobretudo externos, que especulam com papéis públicos à custa de toda a população. É isso o que significa “superávit primário”.

    A presidente preferiu mencionar alguns países do G-20. Não explicou – talvez porque o “twitter” não seja veículo apropriado para uma chefe de Estado esclarecer alguma coisa – por que não existe “superávit primário” na China, Índia, Rússia ou África do Sul (cf. IMF, Fiscal Monitor, “Emerging Market Economies: General Government Overall Balance and Primary Balance”, October 2013, p. 73).

    Talvez a presidente considere que a economia da China não é “sólida” - ou não é tão “sólida” quanto a do Brasil. Entretanto, por que, entre os BRICS, nosso governo é o único a considerar que entregar dinheiro público à especulação financeira é um sinal de “solidez” ou “disciplina” - ou, como escreveu no “twitter” a presidente, “robustez”?

    Também não há “superávit primário” nos EUA, Japão, França, Inglaterra, Suécia, Canadá – e nem na Holanda, apesar de ser, talvez, depois dos EUA, o maior bordel fiscal e especulativo do mundo (cf. op. cit., “Advanced Economies: General Government Overall Balance and Primary Balance”, p. 69).

    Somente de passagem, a presidente esqueceu de dizer que entre os países que ela citou, todos, com exceção da Arábia Saudita – que não é um país, mas um feudo petrolífero –, têm um “superávit primário”, em termos de PIB, menor que o projetado para o Brasil em 2013. As projeções são as seguintes: Itália: 2% do PIB; Turquia: 0,7%; Alemanha: 1,7%; Coreia do Sul: 0,5%; Brasil: 2,3% do PIB.

    No mundo todo, entre 150 países, “desenvolvidos” ou “emergentes”, só há “superávit primário” em 16, segundo a publicação do FMI. Em alguns poucos – como a Noruega – o “superávit primário” é apenas um efeito do superávit orçamentário geral: com um PIB per capita de US$ 55 mil, devido aos ganhos das estatais do petróleo e à pequena população (c. 5 milhões de habitantes), o governo norueguês não consegue gastar todas as entradas orçamentárias do ano; nesse caso, o superávit não é desvio de verbas, mas poupança efetiva. Algo semelhante, mas por outros motivos, ocorre na Suíça e na Bélgica.

    Fora isso, estamos na companhia da Colômbia (0,7% do PIB), Hungria (1,2%), Peru (1,1%), Filipinas (1,8%), Islândia (1,1%) e Singapura (3,8%). Todos, com exceção da última, com “superávits primários” menores que o nosso em termos de PIB.

    Mas, disse a presidente, “é impossível executar grandes projetos de saúde, de mobilidade urbana e de educação sem cuidar atentamente da robustez fiscal do País”.

    Nesse caso, temos uma discordância que, antes de ser política, é aritmética: pois, o que a frase da presidente significa é que só é possível “executar grandes projetos” com menos dinheiro para eles – pois a “robustez fiscal” de que ela fala é, exatamente, o desvio de verbas da saúde, mobilidade urbana, educação, etc., para os juros, isto é, os bancos.

    Quase por último, quanto a “o Brasil tem uma economia sólida e, por isso, tem recebido investimentos externos vultuosos, como comprova o leilão de Libra”, nossa opinião é que a Petrobrás é muito mais representativa da solidez da nossa economia do que a Shell e a Total – para as quais o país, no leilão de Libra, perdeu 40% na exploração do maior campo petrolífero do mundo.

    Estamos de pleno acordo em que “quem aposta contra o Brasil sempre perde”. Mas nenhum brasileiro aposta o Brasil, assim como não aposta a sua genitora, a sua mulher (ou marido), ou os seus filhos. A vida não é um cassino. Exceto para os que apostam em banqueiros e multinacionais.
     
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