Capitalismo vive momento de extração da mais-valia absoluta, diz Louçã
Capitalismo financeiro está baseado na extração da mais-valia absoluta, no aumento da exploração do trabalho, defende dirigente do Bloco de Esquerda.
Lisboa - Dirigente do Bloco de Esquerda e professor de Economia do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), em Portugal, Francisco Louçã analisou, na sua participação no II Congresso Karl Marx, as mudanças do capitalismo após os anos 70/80 e reafirmou a atualidade do marxismo como uma ferramenta de análise do capital. Falamos com ele.
Em sua intervenção, falaste que o capitalismo passa hoje por uma mudança extraordinária. Que mudança extraordinária é essa?
Eu referia-me ao fato de que a partir dos anos 80, quando as políticas neoliberais ganharam muita força nos principais países capitalistas, isso se generalizou na grande dimensão do capital financeiro, este capital baseado na dívida, na extração da mais-valia absoluta, ou seja, no aumento da exploração do trabalho, ter permitido estes novos setores do capital acumularem uma grande parte do valor que é produzido na sociedade.
A crise de hoje pode ser lida como uma multiplicação das formas autoritárias de exploração do trabalho de todas as formas possíveis nos países capitalistas da periferia, Portugal, Grécia, etc. sob a forma da renda fiscal, do aumento dos impostos, do aumento do trabalho gratuito, da redução de salários, da redução das pensões, ou seja, do salário que os trabalhadores obtêm depois de se terem aposentado, depois de uma vida de trabalho, e esse processo é um processo totalmente baseado nesse poder imenso que o Estado dá ao capital financeiro.
Disseste também que há uma tendência à redução à taxa de lucro, e que essa redução adquire uma dimensão tal que obriga o capital a adotar formas muito mais duras de extração de mais-valia.
Exatamente. Desde os anos 70, a seguir àqueles anos de grande crescimento nos países capitalistas avançados, não é no mundo inteiro, mas é na Europa, nos Estados Unidos, na Austrália, a outra parte do mundo estava totalmente alheada desse processo, mas nos países capitalistas avançados, a seguir à Segunda Guerra, houve 30 anos de grande crescimento, inclusive com aumento dos salários, quando um contrato social permitiu o Serviço Nacional de Saúde. E desde essa crise a redução da taxa de lucro é respondida pela afirmação das políticas liberais, ou seja, pelas políticas de vulnerabilização dos salários, precarização do trabalho, de redução dos salários dos trabalhadores mais qualificados, ou seja, por um aumento brutal da exploração.
A resposta à redução da taxa de lucro é o aumento da dívida e o aumento da exploração. E a dívida é uma forma de exploração, porque é uma garantia do valor dos salários que é pago no futuro sobre a forma de impostos. E portanto ao longo desses anos essa tendência para a contração da taxa de lucro foi respondida por uma aceleração, por uma agressividade política que nunca tínhamos conhecido em Portugal desde a revolução do 25 de Abril, porque Portugal vivia numa expansão da democracia e não numa contração da democracia.
Essa contração da democracia foi citada há pouco como uma possibilidade de, em momentos de crise, do reaparecimento do fascismo. Acreditas na hipótese do fascismo hoje?
Hoje em dia, estamos tão distantes da II Guerra Mundial que muita gente tende a ver o fascismo como uma exceção, como alguma coisa que aconteceu com um setor extravagante, de loucos como Hitler. O fascismo foi a resposta do capital financeiro às revoluções dos anos 20, a Revolução Russa e as ameaças revolucionárias seguintes. Foi a forma mais forte e mais organizada da resposta do capital financeiro contra o movimento operário, o movimento comunista de então.
Hoje estamos numa situação muito diferente, e as forças políticas fascistas são muito agressivas, como na Grécia, com uma grande dimensão popular, mas minoritárias na sociedade, ou florescem a partir da cultura nacionalista, como é o caso da França, mas não são uma ameaça da instituição de regimes fascistas na Europa. São uma ameaça em forma de pressão social.
Agora, todos esses momentos de crise, quando não há uma resposta, quando a democracia, ou seja, quando a luta dos trabalhadores não consegue impor os seus direitos, enfim, a regra da distribuição do rendimento que permita valorizar os salários, valorizar as pensões, atacar o capital financeiro, o risco da degradação social e da perda de identidade nacional, o surgimento de forças com essas características é certamente crescente.
Acreditas que exista hoje algum setor da burguesia que apostem nessa opção?
Não, creio que são setores muito marginais. Por exemplo, na Grécia, uma parte da burguesia grega, o aparelho de Estado, a polícia, utilizam os fascistas para atacar os imigrantes, para ter uma divisão da classe operária. E a Frente Nacional em França faz isso também, com outros instrumentos, mas faz isso também. Agora, o que a burguesia europeia pretende é a estabilidade de um regime que permita assegurar esse aumento da extração da mais-valia, essa recuperação da taxa de lucro, esta reconstrução da sociedade, degradando todos os direitos dos trabalhadores. Ou seja, o que a burguesia pretende é uma sociedade em que não haja contrato coletivo de trabalho, não haja organização sindical representativa dos trabalhadores, o trabalhador tenha um contrato individual, o trabalhador mais qualificado tenha um salário mínimo, que haja uma grande degradação estrutural, permanente, de longo prazo, tanto do salário, quanto da capacidade de representação do trabalhador.
E o marxismo seria ainda uma resposta a esta nova situação de mudança extraordinária do capital.
O mais espantosos nos últimos anos é o fracasso das teorias tradicionais da economia burguesa, da economia neoclássica, para apreciar as contradições que nós temos. O marxismo situa-nos na análise da distribuição do valor, na análise do centro da disputa social, da relação social, onde se constrói a força do Estado e a força do capital financeiro, do capital em geral. Portanto, permite a perceção de como é criado valor na sociedade e da natureza da luta de classes. Marx dizia que não foi ele que inventou a luta de classes, com certeza que não, mas a perceção de como o capital se institui como uma relação de exploração em relação ao trabalho é o ponto de partida para qualquer análise da sociedade moderna.
Em sua intervenção, falaste que o capitalismo passa hoje por uma mudança extraordinária. Que mudança extraordinária é essa?
Eu referia-me ao fato de que a partir dos anos 80, quando as políticas neoliberais ganharam muita força nos principais países capitalistas, isso se generalizou na grande dimensão do capital financeiro, este capital baseado na dívida, na extração da mais-valia absoluta, ou seja, no aumento da exploração do trabalho, ter permitido estes novos setores do capital acumularem uma grande parte do valor que é produzido na sociedade.
A crise de hoje pode ser lida como uma multiplicação das formas autoritárias de exploração do trabalho de todas as formas possíveis nos países capitalistas da periferia, Portugal, Grécia, etc. sob a forma da renda fiscal, do aumento dos impostos, do aumento do trabalho gratuito, da redução de salários, da redução das pensões, ou seja, do salário que os trabalhadores obtêm depois de se terem aposentado, depois de uma vida de trabalho, e esse processo é um processo totalmente baseado nesse poder imenso que o Estado dá ao capital financeiro.
Disseste também que há uma tendência à redução à taxa de lucro, e que essa redução adquire uma dimensão tal que obriga o capital a adotar formas muito mais duras de extração de mais-valia.
Exatamente. Desde os anos 70, a seguir àqueles anos de grande crescimento nos países capitalistas avançados, não é no mundo inteiro, mas é na Europa, nos Estados Unidos, na Austrália, a outra parte do mundo estava totalmente alheada desse processo, mas nos países capitalistas avançados, a seguir à Segunda Guerra, houve 30 anos de grande crescimento, inclusive com aumento dos salários, quando um contrato social permitiu o Serviço Nacional de Saúde. E desde essa crise a redução da taxa de lucro é respondida pela afirmação das políticas liberais, ou seja, pelas políticas de vulnerabilização dos salários, precarização do trabalho, de redução dos salários dos trabalhadores mais qualificados, ou seja, por um aumento brutal da exploração.
A resposta à redução da taxa de lucro é o aumento da dívida e o aumento da exploração. E a dívida é uma forma de exploração, porque é uma garantia do valor dos salários que é pago no futuro sobre a forma de impostos. E portanto ao longo desses anos essa tendência para a contração da taxa de lucro foi respondida por uma aceleração, por uma agressividade política que nunca tínhamos conhecido em Portugal desde a revolução do 25 de Abril, porque Portugal vivia numa expansão da democracia e não numa contração da democracia.
Essa contração da democracia foi citada há pouco como uma possibilidade de, em momentos de crise, do reaparecimento do fascismo. Acreditas na hipótese do fascismo hoje?
Hoje em dia, estamos tão distantes da II Guerra Mundial que muita gente tende a ver o fascismo como uma exceção, como alguma coisa que aconteceu com um setor extravagante, de loucos como Hitler. O fascismo foi a resposta do capital financeiro às revoluções dos anos 20, a Revolução Russa e as ameaças revolucionárias seguintes. Foi a forma mais forte e mais organizada da resposta do capital financeiro contra o movimento operário, o movimento comunista de então.
Hoje estamos numa situação muito diferente, e as forças políticas fascistas são muito agressivas, como na Grécia, com uma grande dimensão popular, mas minoritárias na sociedade, ou florescem a partir da cultura nacionalista, como é o caso da França, mas não são uma ameaça da instituição de regimes fascistas na Europa. São uma ameaça em forma de pressão social.
Agora, todos esses momentos de crise, quando não há uma resposta, quando a democracia, ou seja, quando a luta dos trabalhadores não consegue impor os seus direitos, enfim, a regra da distribuição do rendimento que permita valorizar os salários, valorizar as pensões, atacar o capital financeiro, o risco da degradação social e da perda de identidade nacional, o surgimento de forças com essas características é certamente crescente.
Acreditas que exista hoje algum setor da burguesia que apostem nessa opção?
Não, creio que são setores muito marginais. Por exemplo, na Grécia, uma parte da burguesia grega, o aparelho de Estado, a polícia, utilizam os fascistas para atacar os imigrantes, para ter uma divisão da classe operária. E a Frente Nacional em França faz isso também, com outros instrumentos, mas faz isso também. Agora, o que a burguesia europeia pretende é a estabilidade de um regime que permita assegurar esse aumento da extração da mais-valia, essa recuperação da taxa de lucro, esta reconstrução da sociedade, degradando todos os direitos dos trabalhadores. Ou seja, o que a burguesia pretende é uma sociedade em que não haja contrato coletivo de trabalho, não haja organização sindical representativa dos trabalhadores, o trabalhador tenha um contrato individual, o trabalhador mais qualificado tenha um salário mínimo, que haja uma grande degradação estrutural, permanente, de longo prazo, tanto do salário, quanto da capacidade de representação do trabalhador.
E o marxismo seria ainda uma resposta a esta nova situação de mudança extraordinária do capital.
O mais espantosos nos últimos anos é o fracasso das teorias tradicionais da economia burguesa, da economia neoclássica, para apreciar as contradições que nós temos. O marxismo situa-nos na análise da distribuição do valor, na análise do centro da disputa social, da relação social, onde se constrói a força do Estado e a força do capital financeiro, do capital em geral. Portanto, permite a perceção de como é criado valor na sociedade e da natureza da luta de classes. Marx dizia que não foi ele que inventou a luta de classes, com certeza que não, mas a perceção de como o capital se institui como uma relação de exploração em relação ao trabalho é o ponto de partida para qualquer análise da sociedade moderna.