Evocação de silêncios – Ferreira Gullar

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  • domingo, 6 de janeiro de 2013
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  • O silêncio habitava
    o corredor de entrada
    de uma meia morada
    na rua das Hortas

    o silêncio era frio
    no chão de ladrilhos
    e branco de cal
    nas paredes altas

    enquanto lá fora
    o sol escaldava

    Para além da porta
    na sala nos quartos
    o silêncio cheirava
    àquela família

    e na cristaleira
    (onde a luz
    se excedia)
    cintilava extremo:

    quase se partia

    Mas era macio
    nas folhas caladas
    do quintal
    vazio

    e
    negro
    no poço
    negro

    que tudo sugava:
    vozes luzes
    tatalar de asa

    o que
    circulava
    no quintal da casa

    O mesmo silêncio
    voava em zoada
    nas copas
    nas palmas
    por sobre telhados
    até uma caldeira
    que enferrujava
    na areia da praia
    do Jenipapeiro

    e ali se deitava:
    uma nesga dágua

    um susto no chão

    fragmento talvez
    de água primeira

    água brasileira

    Era também açúcar
    o silêncio
    dentro do depósito
    (na quitanda
    de tarde)

    o cheiro
    queimando sob a tampa
    no escuro

    energia solar
    que vendíamos
    aos quilos

    Que rumor era
    esse ? barulho
    que de tão oculto
    só o olfato
    o escuta ?

    que silêncio
    era esse
    tão gritado
    de vozes
    (todas elas)
    queimadas
    em fogo alto ?

    (na usina)

    alarido
    das tardes
    das manhãs

    agora em tumulto
    dentro do açúcar

    um estampido
    (um clarão)
    se se abre a tampa.
     
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