A política econômica nem sempre está alinhada ao programa ideológico dos governantes. Um partido de esquerda muitas vezes é obrigado pelas circunstâncias a seguir a receita liberal. Ocorre também o inverso. A aliança de liberais que governa o Reino Unido é compelida a praticar intervencionismo.
O ambiente contrário à doutrina funciona de antídoto contra extravagâncias. Tempera as paixões e impõe limites às tolices da cartilha.
Problemas surgem quando a ideologia do piloto se harmoniza com o espírito do tempo. A dupla Alan Greenspan, no BC dos EUA, e George W. Bush, na Casa Branca, pôde exercer 120% de seu mercadismo desabrido na década passada. Deu no que deu.
Agora o perigo mudou. Alianças de esquerda espanam o pó de convicções sobre o papel heroico do Estado na condução da economia. Regras básicas dos negócios ficam à mercê do arbítrio visionário do príncipe.
Quando pôde rasgar a fantasia ortodoxa, no final da década passada, o governo do PT pôs-se a "refundar" algumas bases sobre as quais funciona o mercado no Brasil.
O modelo de exploração do petróleo, baseado em concessões, não satisfazia a cartilha. O governo mudou tudo, obrigou o ganhador do contrato a dividir uma fatia da produção com o Estado -e a Petrobras a participar de todas as operações.
O câmbio flutuante tampouco correspondia ao nacionalismo em voga. Uma série de regras e taxas, sujeitas a mudança repentina, passou a mediar a entrada de divisas. As agências reguladoras, que dariam garantias aos investidores a despeito do governo de turno, foram minadas e transformadas em cabides de emprego.
Concederam-se privilégios fiscais a setores eleitos e bem articulados. As metas de inflação e de poupança pública foram desmoralizadas.
Nesse terreno em revolução permanente, o investimento produtivo despencou. O ambiente começa a refutar a doutrina. Bom sinal.
Fonte: Folha de S. Paulo