Em levantamento sobre a produção legislativa deste ano, o Diap considerou que houve queda em quantidade e qualidade. O exercício da política foi atropelado pelas eleições municipais e os escândalos de corrupção. Subjugado e tentando usar seu plenário ora como palanque ora como arena para servir ao Executivo, o Congresso, este ano, não só não fez bonito como fez muito feio.
Do alto dos seus 10 mandatos de deputado federal e experiência nas hostes da oposição e do governo, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) quase chega a concordar que esta Legislatura foi especialmente de doer. Mas prefere não concentrar as mazelas, vê a degradação chegando há mais tempo, num processo evolutivo.
Há o poder imperial do presidente da República, com suas medidas provisórias, "leis de uma pessoa só", como Miro define; há o orçamento meramente autorizativo; há o Estado policialesco instalado em alguns agrupamentos, como na Comissão Parlamentar de Inquérito, em especial na que foi instalada para servir de arma do PT contra o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal, encerrada melancolicamente ontem; há a cornucópia da produção de leis sem interesse da sociedade; e há, sobretudo, na avaliação do experiente parlamentar, a profusão de partidos políticos. "Nosso querido Supremo tem responsabilidade nisso quando considerou inconstitucional a cláusula de barreira", afirma Miro.
"Pior que isso só se o Congresso estivesse fechado"
Mas param por aí as restrições ao Judiciário. O deputado de 10 mandatos não é um crítico da chamada, já em jargão dos cientistas políticos e burocracias partidárias, de judicialização da política. Ao contrário, acha que o Supremo Tribunal Federal é um apoio importante: "A judicialização é positiva, serve de contraponto aos grandes grupos que controlam o parlamento".
É o caso, por exemplo, do próprio Miro com três ou quatro integrantes da CPI do Cachoeira, o fracasso institucional mais retumbante da Câmara e do Senado em 2012. Muitas vezes, neste ano, a própria mesa diretora das Casas transgrediu a Constituição, com uma renúncia evidente ao exercício do poder que lhe foi conferido. "O Congresso, de certa maneira, se entregou a uma servidão voluntária", afirma Miro Teixeira.
O abuso das medidas provisórias editadas pela presidente, os vetos dela ao que o parlamento, com grande esforço reativo, conseguiu incluir nas iniciativas do Executivo, o decreto imposto de cima para baixo numa última palavra autoral sobre as leis e demais regulações fazem do poder Executivo, e não do Judiciário, o verdadeiro usurpador do poder legislativo. Nesse caso, o exemplo mais gritante, este ano, é o Código Florestal, que tramitou nas duas casas legislativa por 12 anos, foram vários relatórios discutidos pelo Brasil todo, quase dois anos de debates conclusivos, concessões de todo lado, para no fim ser vetado pela presidente Dilma Rousseff que assinou as regras na forma como desejava, por decreto. O faz de conta da democracia acabou no Irajá, e o Congresso absorveu o golpe.
Por influências variadas, estão no Congresso mais de 3 mil vetos não examinados, que as duas Casas podem se apressar a votar, em bloco, hoje, pela conveniência de derrubar um deles, do interesse dos Estados, na questão da distribuição dos royalties do petróleo. Foi um único momento que, escorado nas suas alianças com executivos estaduais e municipais, o parlamento tentou fazer-se ouvir, ainda assim para restabelecer uma norma que a presidente vetou por considerá-la inconstitucional e representar ruptura de contratos.
Fora isso, o Congresso faz o que o Executivo quer e pode-se afirmar que, este ano, houve vários ápices do escracho: a CPI mista do Cachoeira, o faz de conta do Código Florestal, a pantomima da contestação às decisões judiciais, o abandono das reformas, o engavetamento do Plano Nacional de Educação e da mudança no fator previdenciário, e uma infinidade de projetos de lei do interesse da sociedade.
Miro destaca, embora ressalvando algum resultado da CPI, como a remessa à Polícia Federal e Ministério Público do sigilo quebrado de muitas empresas, que houve tentativa de intimidar o Ministério Público e a imprensa, houve "o estado policialesco", sim, este ano, no Congresso. A reação foi tímida por causa do medo. "O Brasil tem milícia de patrulhamento político. Eu consigo reagir porque tenho calo nas costas".
Na parte substantiva da atividade parlamentar, tudo ficou para trás. "A batalha que estamos travando para votar alterações no fator previdenciário é enorme", informa Miro. As emendas constitucionais que visam dar um piso salarial às polícias se perderam. "Não se trata apenas de uma política de remuneração para as polícias, mas de uma verdadeira política de segurança", afirma.
Como o governo não quer fazer essas votações, o Legislativo se curva com facilidade. Miro Teixeira condena a obsessão e acha sem cabimento fazer 500 leis em um ano, como já se gabou o Congresso. "Há dez anos, o parlamento da Suíça fez quatro leis e a questão foi amplamente discutida para se saber como um país poderia absorver quatro leis em um único ano".
Engolfado por MPs, atolado em imposições, assistindo ao questionamento na Justiça de suas decisões corporativas para proteger os pares, o Congresso deixa sua responsabilidade em segundo plano, entre elas os projetos que se referem à saúde, à previdência, às seguradoras, aos códigos.
O Legislativo é poder homologador e nunca, como neste ano, se submeteu tanto. Até um partido de oposição negociou sua única arma, a obstrução, em troca da liberação de emendas ao Orçamento.
Mas há um motivo estrutural para despencar ladeira abaixo, na avaliação de Miro: os partidos políticos. "É o melhor negócio do Brasil, têm rede nacional de televisão, rede regional e fundo partidário. Em aliança com governadores e prefeitos, nomeiam secretários. Organizam-se para negociar a distribuição de vantagens do governo, e nesse ponto o Supremo tem responsabilidade porque considerou inconstitucional a cláusula de barreira". Mas só até aí vai essa culpa. "A chamada judicialização da política é positiva. É a judicialização que garante os direitos constitucionais de minorias".
Miro conclui: "É péssimo o Poder Legislativo no Brasil. Só seria pior fechado".
Fonte: Valor Econômico