Por José Coutinho Júnior, no sítio do MST:
O assentamento Milton Santos, com área pouco maior que 100 hectares e no qual vivem 68 famílias em Americana, na região de Campinas, no interior de São Paulo, corre risco de acabar. Apesar de existir há sete anos e produzir alimentos para os municípios de Americana e Cosmópolis, uma decisão judicial de reintegração de posse ameaça a permanência das famílias na área.
“Estamos enfrentando essa ofensiva muito grande do Judiciário em relação às áreas de assentamento. É uma articulação que envolve o Estado brasileiro, o agronegócio, os governos estadual e federal, impedindo o avanço da Reforma Agrária”, afirma o membro da Direção Nacional do MST, Gilmar Mauro.
“É um assentamento pequeno, em função da pouca quantidade de terra. É pouco mais de um hectare para cada família. É fundamentalmente destinado para a produção de hortifrúti. Esse assentamento está no meio do canavial usado pela usina Ester. E mostra a quantidade de alimentos que podemos produzir naquela terra”, diz Gilmar.
Confira a entrevista de Gilmar Mauro sobre a situação do Milton Santos para a Página do MST:
Qual a história da área do Milton Santos?
É uma área que foi confiscada em 1976 pela ditadura em função de dívidas que o grupo Abdala tinha com a União. Várias propriedades do grupo foram confiscadas e encaminhadas para órgãos públicos. Uma delas ficou no nome do INPS, hoje Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Mas havia uma cláusula no final dessa medida dizendo que se os bens confiscados fossem maiores do que a dívida que a empresa tinha, se faria a devolução do bem. Em 1981, o grupo entrou com uma prestação de contas e provou que os bens eram maiores que a dívida, obtendo a devolução de alguns bens, entre esses a área do assentamento.
Essa ação transitou em julgado em 1990, só que a empresa não foi no cartório registrar a propriedade no seu nome, ela continuou em nome do INSS. Isso é uma forma de ocultar patrimônio, porque eles deviam para outros setores e pessoas, e tendo o patrimônio em mãos, acabariam perdendo.
A área continua em nome do INSS e, em 2006, foi feito pedido para que o Incra assentasse as famílias do acampamento Milton Santos. E isso foi feito. Foi uma operação legal, na qual o INSS passou a propriedade ao Incra, que assentou as famílias. Esse ano o grupo Abdala veio com a ação de que a terra era deles.
Qual o interesse desse grupo?
Esse grupo tem um contrato de arrendamento que pertence à usina Ester, que entrou na Justiça pedindo a reintegração de posse. O pedido é contra o Incra e as famílias. O juiz teria dado um prazo de 15 dias para o cumprimento do despejo, o que ocorreria nessa quinta.
No entanto, nem as famílias assentadas nem o Incra foram notificados para desocupar a área. Tecnicamente, não está correndo o prazo, mas não podemos ficar esperando, porque de repente encontram algum subterfúgio legal para dizer que o prazo estava valendo.
Não existe um dispositivo legal que protege as famílias de serem despejadas, após a criação do assentamento?
A União assume os assentamentos como legais, então são homologados e a responsabilidade é da União e do governo federal. Mas quem pediu a reintegração também é um juiz federal sabedor disso. Tecnicamente, se houver o despejo, o Incra tem que indenizar todos e achar outra área. Mas nós estamos pedindo uma desapropriação por interesse social, para que as famílias não tenham que sair de lá. Na desapropriação por interesse social, não cabe recurso jurídico de contestação. Esse processo está na Casa Civil [da ministra Gleise Hoffmann]. Nossa luta é pressionar para que de fato a presidenta Dilma desaproprie a área por interesse social.
Qual a importância do assentamento para o movimento e para as cidades próximas?
É um assentamento pequeno, em função da pouca quantidade de terra. É pouco mais de um hectare para cada família. É fundamentalmente destinado para a produção de hortifrúti. Esse assentamento está no meio do canavial usado pela usina Ester. E mostra a quantidade de alimentos que podemos produzir naquela terra. Todo tipo de investimento que se faz lá dentro são recursos que vão ser movimentados nas cidades de Cosmópolis e Americana.
É um assentamento que possui uma quantidade grande de famílias morando lá e sobrevivendo dessa produção. Impedir que haja esse despejo é fundamental para manter a luta pela Reforma Agrária próxima dos centros urbanos. A produção do assentamento vai para a merenda escolar, para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). A comunidade realiza feiras em Cosmópolis todo sábado, onde as famílias participam e levam essa produção.
Como é a relação do assentamento com a usina e fazendas vizinhas?
É muito difícil, pois há uma pressão grande para a retirada dessas famílias. A usina, inclusive, tentou fechar o caminho do assentamento para Cosmópolis, e houve várias tentativas de despejo. Por isso que há uma conjunção de interesses, tanto da Justiça Federal como da usina, de tirar essas famílias de perto do canavial. Há uma luta naquela região, para que se amplie as áreas dos assentamentos.
Quais medidas o Incra vem tomando para evitar o despejo?
O Incra diz que não vai haver despejo. O problema é que o mesmo ocorreu em situações onde as famílias foram despejadas dos assentamentos, como em Limeira, onde uma área da União foi passada para fazer assentamento. E fomos despejados brutalmente. Essa garantia de palavra é sempre uma promessa, mas famílias querem uma decisão definitiva. E o final do ano se aproxima, queremos resolver essa situação O Incra diz que está encaminhando todos os procedimentos, tentando várias alternativas, e no limite irá realizar a desapropriação por interesse social. Falei na semana passada com os ministros Aloízio Mercadante [Educação] e a Ideli Salvati [Relações Institucionais], que estão cientes.
O que representaria, para a Reforma Agrária, esse tipo de ameaça de despejo de famílias de assentamentos produtivos?
Estamos vivendo uma situação grave. Não é só o Milton Santos. Em Pernambuco, em Minas Gerais, na área de Felisburgo, em mais duas áreas em São Paulo, existem assentamentos em consolidação que podem sofrer revés por parte da Justiça. Além de estarmos num cenário de poucas desapropriações, com a Reforma Agrária fora da pauta do governo federal e do debate político, enfrentamos essa ofensiva muito grande do Judiciário em relação às áreas de assentamento. É uma articulação que envolve o Estado brasileiro, o agronegócio, os governos estadual e federal, impedindo o avanço da Reforma Agrária.
Quais atividades o MST planejou em defesa do assentamento?
Vamos fazer uma marcha até a Paulista nesta terça-feira. A ideia é mostrar para a população que o assentamento Milton Santos pode se transformar em um novo Pinheirinho [comunidade de São José dos Campos despejada violentamente pela Polícia Militar em janeiro] e fazer uma pressão em frente ao escritório da Dilma e do Tribunal Regional Federal. Depois do ato, vamos para o assentamento Milton Santos e montar um acampamento de resistência. Na sexta-feira, teremos um grande ato em Americana para divulgar à sociedade a situação do Milton Santos e pedir a solidariedade do povo local para nossa causa.
O assentamento Milton Santos, com área pouco maior que 100 hectares e no qual vivem 68 famílias em Americana, na região de Campinas, no interior de São Paulo, corre risco de acabar. Apesar de existir há sete anos e produzir alimentos para os municípios de Americana e Cosmópolis, uma decisão judicial de reintegração de posse ameaça a permanência das famílias na área.
“Estamos enfrentando essa ofensiva muito grande do Judiciário em relação às áreas de assentamento. É uma articulação que envolve o Estado brasileiro, o agronegócio, os governos estadual e federal, impedindo o avanço da Reforma Agrária”, afirma o membro da Direção Nacional do MST, Gilmar Mauro.
“É um assentamento pequeno, em função da pouca quantidade de terra. É pouco mais de um hectare para cada família. É fundamentalmente destinado para a produção de hortifrúti. Esse assentamento está no meio do canavial usado pela usina Ester. E mostra a quantidade de alimentos que podemos produzir naquela terra”, diz Gilmar.
Confira a entrevista de Gilmar Mauro sobre a situação do Milton Santos para a Página do MST:
Qual a história da área do Milton Santos?
É uma área que foi confiscada em 1976 pela ditadura em função de dívidas que o grupo Abdala tinha com a União. Várias propriedades do grupo foram confiscadas e encaminhadas para órgãos públicos. Uma delas ficou no nome do INPS, hoje Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Mas havia uma cláusula no final dessa medida dizendo que se os bens confiscados fossem maiores do que a dívida que a empresa tinha, se faria a devolução do bem. Em 1981, o grupo entrou com uma prestação de contas e provou que os bens eram maiores que a dívida, obtendo a devolução de alguns bens, entre esses a área do assentamento.
Essa ação transitou em julgado em 1990, só que a empresa não foi no cartório registrar a propriedade no seu nome, ela continuou em nome do INSS. Isso é uma forma de ocultar patrimônio, porque eles deviam para outros setores e pessoas, e tendo o patrimônio em mãos, acabariam perdendo.
A área continua em nome do INSS e, em 2006, foi feito pedido para que o Incra assentasse as famílias do acampamento Milton Santos. E isso foi feito. Foi uma operação legal, na qual o INSS passou a propriedade ao Incra, que assentou as famílias. Esse ano o grupo Abdala veio com a ação de que a terra era deles.
Qual o interesse desse grupo?
Esse grupo tem um contrato de arrendamento que pertence à usina Ester, que entrou na Justiça pedindo a reintegração de posse. O pedido é contra o Incra e as famílias. O juiz teria dado um prazo de 15 dias para o cumprimento do despejo, o que ocorreria nessa quinta.
No entanto, nem as famílias assentadas nem o Incra foram notificados para desocupar a área. Tecnicamente, não está correndo o prazo, mas não podemos ficar esperando, porque de repente encontram algum subterfúgio legal para dizer que o prazo estava valendo.
Não existe um dispositivo legal que protege as famílias de serem despejadas, após a criação do assentamento?
A União assume os assentamentos como legais, então são homologados e a responsabilidade é da União e do governo federal. Mas quem pediu a reintegração também é um juiz federal sabedor disso. Tecnicamente, se houver o despejo, o Incra tem que indenizar todos e achar outra área. Mas nós estamos pedindo uma desapropriação por interesse social, para que as famílias não tenham que sair de lá. Na desapropriação por interesse social, não cabe recurso jurídico de contestação. Esse processo está na Casa Civil [da ministra Gleise Hoffmann]. Nossa luta é pressionar para que de fato a presidenta Dilma desaproprie a área por interesse social.
Qual a importância do assentamento para o movimento e para as cidades próximas?
É um assentamento pequeno, em função da pouca quantidade de terra. É pouco mais de um hectare para cada família. É fundamentalmente destinado para a produção de hortifrúti. Esse assentamento está no meio do canavial usado pela usina Ester. E mostra a quantidade de alimentos que podemos produzir naquela terra. Todo tipo de investimento que se faz lá dentro são recursos que vão ser movimentados nas cidades de Cosmópolis e Americana.
É um assentamento que possui uma quantidade grande de famílias morando lá e sobrevivendo dessa produção. Impedir que haja esse despejo é fundamental para manter a luta pela Reforma Agrária próxima dos centros urbanos. A produção do assentamento vai para a merenda escolar, para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). A comunidade realiza feiras em Cosmópolis todo sábado, onde as famílias participam e levam essa produção.
Como é a relação do assentamento com a usina e fazendas vizinhas?
É muito difícil, pois há uma pressão grande para a retirada dessas famílias. A usina, inclusive, tentou fechar o caminho do assentamento para Cosmópolis, e houve várias tentativas de despejo. Por isso que há uma conjunção de interesses, tanto da Justiça Federal como da usina, de tirar essas famílias de perto do canavial. Há uma luta naquela região, para que se amplie as áreas dos assentamentos.
Quais medidas o Incra vem tomando para evitar o despejo?
O Incra diz que não vai haver despejo. O problema é que o mesmo ocorreu em situações onde as famílias foram despejadas dos assentamentos, como em Limeira, onde uma área da União foi passada para fazer assentamento. E fomos despejados brutalmente. Essa garantia de palavra é sempre uma promessa, mas famílias querem uma decisão definitiva. E o final do ano se aproxima, queremos resolver essa situação O Incra diz que está encaminhando todos os procedimentos, tentando várias alternativas, e no limite irá realizar a desapropriação por interesse social. Falei na semana passada com os ministros Aloízio Mercadante [Educação] e a Ideli Salvati [Relações Institucionais], que estão cientes.
O que representaria, para a Reforma Agrária, esse tipo de ameaça de despejo de famílias de assentamentos produtivos?
Estamos vivendo uma situação grave. Não é só o Milton Santos. Em Pernambuco, em Minas Gerais, na área de Felisburgo, em mais duas áreas em São Paulo, existem assentamentos em consolidação que podem sofrer revés por parte da Justiça. Além de estarmos num cenário de poucas desapropriações, com a Reforma Agrária fora da pauta do governo federal e do debate político, enfrentamos essa ofensiva muito grande do Judiciário em relação às áreas de assentamento. É uma articulação que envolve o Estado brasileiro, o agronegócio, os governos estadual e federal, impedindo o avanço da Reforma Agrária.
Quais atividades o MST planejou em defesa do assentamento?
Vamos fazer uma marcha até a Paulista nesta terça-feira. A ideia é mostrar para a população que o assentamento Milton Santos pode se transformar em um novo Pinheirinho [comunidade de São José dos Campos despejada violentamente pela Polícia Militar em janeiro] e fazer uma pressão em frente ao escritório da Dilma e do Tribunal Regional Federal. Depois do ato, vamos para o assentamento Milton Santos e montar um acampamento de resistência. Na sexta-feira, teremos um grande ato em Americana para divulgar à sociedade a situação do Milton Santos e pedir a solidariedade do povo local para nossa causa.