EUA SOB COMANDO DE RUPERT MURDOCH

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  • segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
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  • Rupert Murdoch
    Carl Bernstein

    POR QUE A MÍDIA DOS EUA IGNOROU A TENTATIVA DE MURDOCH DE ASSALTAR A PRESIDÊNCIA?

    “Periódicos como o ‘Washington Post’ subestimaram o caso por medo do dono da ‘News Corporation’ ou por falta de discernimento? A gravação da conversa entre o general e o editor é um documento formidável, um testemunho do desembaraço com que Murdoch passa por cima da ordem civil e política estadunidense sem nem se preocupar com as finezas tradicionais ou fingir independência e honestidade jornalística.

    Por Carl Bernstein, no inglês “The Guardian

    Finalmente, temos evidência irrefutável do último e mais audacioso atentado de Rupert Murdoch – frustrado, ainda bem, pelas circunstâncias - contra as instituições democráticas estadunidenses. O assalto tinha escala similar ao sequestro e corrupção que o magnata da mídia realizou nas principais instituições democráticas da Grã-Bretanha.

    No caso americano, o objetivo de Murdoch parece não ter sido menor do que usar seu império midiático – especialmente a “Fox News” – para financiar e apoiar a candidatura do general David Petraeus à presidência nas eleições deste ano.

    No primeiro semestre de 2011, menos de dois meses antes da revelação do papel central que Murdoch desempenhou no escândalo envolvendo seus periódicos britânicos, o criador e presidente da “Fox News”, Roger Ailes, enviou uma emissária ao Afeganistão para persuadir Petraeus a recusar a oferta, feita pelo presidente Obama, de tornar-se diretor da CIA e, em vez disso, concorrer à nomeação à presidência do Partido Republicano, com a promessa de ser bancado por Murdoch. O próprio Ailes renunciaria ao cargo de presidente da “Fox News” para comandar a campanha, de acordo com a conversa entre Petraeus e a emissária Kathleen T. McFarland, uma “analista” da “Fox News” e membro do “Conselho de Segurança Nacional” em três administrações republicanas.

    Tudo isso é revelado numa gravação do encontro entre Petraeus e McFarland obtida por Bob Woodward, cuja descrição da conversa, acompanhada pelo áudio da gravação, foi publicada no “Washington Post”. Curiosamente, a reportagem foi impressa na seção de “Estilo”, e não na primeira página. Na internet, ela foi veiculada também abaixo do logo “Estilo”, no dia 3 de dezembro.

    De fato, tão desesperador quanto o menosprezo que Ailes e Murdoch nutrem por valores jornalísticos e por um processo eleitoral transparente, e tão marcante quanto a avidez do emissário em prometer o apoio da “Fox” a Petraeus, tem sido a falta de interesse da imprensa e dos políticos norte-americanos sobre o ocorrido. Não se sabe se o desinteresse é causado por medo do poderio de Murdoch e Ailes ou da pouca surpresa que traz a postura dos magnatas da mídia.

    O tom da reação da mídia foi dado desde que se falou do caso pela primeira vez: o “Post” relegou a matéria à seção referente a fofocas sobre celebridades. “Bob conseguiu um furo importante, uma matéria barulhenta, perfeita para a seção “Estilo”. Uma primeira página não se justificaria”, disse Liz Spayd, editora-chefe do “Washington Post”, quando perguntada sobre o ímpar posicionamento da matéria na edição do dia 3 de dezembro.

    Matéria barulhenta? A primeira página “não se justificaria”? Ninguém poderia imaginar tamanha falha de um dos predecessores de Spayd, até em função da qualidade do registro que o “Post” tinha em mãos.

    Avise a Ailes se eu me candidatar”, anuncia Petraeus em gravação digital cristalina, “mas eu não o farei. Se um dia eu o fizer, eu me lembrarei da oferta... ele disse que saria da “Fox” e bancaria minha candidatura...”

    McFarland esclareceu as condições: “é o patrão que vai financiar. Roger [Ailes] só vai dirigir. E o resto de nós estará na organização“, confirmando, assim, o que os críticos da “Fox News” sempre mantiveram sobre a conduta do canal de notícias.

    Uma coisa deve ser sublinhada aqui: se a emissária trabalhasse para o presidente da “NBC”, para o editor do “New York Times” ou do “Washington Post”, a gritaria seria enorme, principalmente da “Fox News” e da América republicana/Tea Party, e só se abrandaria com uma investigação por parte do Congresso e a renúncia dos editores do periódico ou canal de tevê. Ou até que houvesse evidência plausível e convincente de que tudo fosse mentira. E, obviamente, o caso permaneceria na primeira página e nos noticiários vespertinos durante semanas.

    A gravação da conversa entre o general e o editor é um documento formidável, um testemunho do desembaraço com que Murdoch passa por cima da ordem civil e política estadunidense sem nem se preocupar com as finezas tradicionais ou fingir independência e honestidade jornalística. O caso Ailes/Petraeus esclarece que os objetivos de Murdoch nos EUA eram tão abomináveis e pérfidos quanto no caso das escutas telefônicas, que aniquilou qualquer dúvida sobre a capacidade de Murdoch de corromper qualquer um dos elementos essenciais da ordem civil britânica – a imprensa, os políticos e a polícia.

    Murdoch e Ailes ergueram um império midiático de poder incomparável nas culturas norte-americana e britânica. Mas, ao invés de exercer tal poder de maneira judiciosa ou melhorar os padrões jornalísticos com seus recursos intermináveis, os dois, irrefletidamente, investem numa agenda sensacionalista, em controvérsias forjadas e em messianismo ideológico. A gravação é uma evidência poderosa da metodologia e do alcance do império de Murdoch.

    A corrupção por Murdoch de instituições democráticas fundamentais em ambos os lados do Atlântico é um dos casos de maior importância e alcance político e cultural dos últimos 30 anos, uma narrativa em curso sem igual. Como no caso de Richard Nixon, muita atenção foi dirigida à necessidade de encontrar provas concretas do que já não era mais uma dúvida, isto é, que os instrumentos elementares da democracia (a presidência no caso Nixon, os privilégios da mídia livre no caso Murdoch) foram empregados de maneira equivocada e abusiva para os fins particulares daqueles que deveriam servir o bem comum.

    No caso Nixon, o sistema funcionou. Suas ações foram investigadas pelo Congresso, o sistema judiciário sustentou que nem o presidente dos Estados Unidos da América estava acima da lei, e ele foi forçado a renunciar ou enfrentar um impeachment. As democracias britânica e estadunidense não se saíram tão bem com Murdoch, cujo poder e corrupção não foi reprimido por um terço de século.

    A decisão mais importante que um jornalista toma é a de julgar se algo é ou não notícia. Talvez, nenhuma história tenha sido tão evitada por nós quanto a da marcha de Murdoch sobre a democracia. Quando a cobertura das escutas telefônicas, na qual o “Guardian” insistiu por meses, atingiu massa crítica, um ex-capanga de Murdoch disse o seguinte: “este escândalo e todas as suas implicações não poderiam ter ocorrido em outro lugar. Só poderia ter sido na órbita de Murdoch. As delinquências do “News of the World” foram cometidas em escala industrial. Foi Murdoch quem inventou e estabeleceu esta cultura de redação, na qual se deve fazer o que for preciso para conseguir uma matéria e na qual os fins sempre justificam os meios”.

    A fita obtida por Bob Woodward deveria ser o desfecho da história de Murdoch, tanto no Reino Unido quanto nos EUA, para que ficasse claro que nenhuma instituição, nem mesmo o presidente norte-americano, está acima da democracia. Se Murdoch financiasse uma campanha presidencial exitosa para Petraeus com “o resto de nós na organização”, como disse Kathleen McFarland, ele teria demonstrado controle sobre todas as instituições democráticas norte-americanas, controle ainda mais seguro do que o exercido sobre a Grã-Bretanha.

    Felizmente, Petraeus não desejava a presidência. O general estava contente com a ideia de tornar-se diretor da CIA.

    Está tudo montado”, disse a emissária referindo-se a Ailes, Murdoch e “Fox News”. “Nunca vai acontecer”, respondeu Petraeus. ‘Você sabe que nunca vai acontecer, não vai mesmo. Minha mulher pediria divórcio’.”

    FONTE: escrito por Carl Bernstein, no jornal inglês “The Guardian”. Artigo publicado no site “Carta Maior” com tradução de André Cristi  (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21453

    COMPLEMENTAÇÃO


    O SISTEMA POLÍTICO DOS EUA SOB COMANDO DE RUPERT MURDOCH

    Rupert Murdoch

    Por Jonathan Cook, no “Commondreams”, dos EUA

    “Uma conversa gravada mostra que, no primeiro semestre de 2011, Murdoch pediu a Roger Ailes, chefe da ‘Fox News’, que fosse ao Afeganistão persuadir o general David Petraeus, antigo comandante das forças militares norte-americanas, a concorrer à presidência como candidato do Partido Republicano nas eleições deste ano. Murdoch prometeu financiar a campanha de Petraeus e apoiar o general com o aparato midiático da ‘Fox News’.

    Os esforços de Murdoch não adiantaram porque Petraus não quis concorrer. “Diga a Ailes que se um dia eu concorrer”, diz Petraeus na gravação, “apesar de que não vou, mas se um dia eu concorrer a proposta será aceita”.

    O caso de Petraeus é perturbador para a imprensa, justamente porque desmonta a fachada democrática da política norte-americana, uma imagem construída cuidadosamente para que o eleitorado estadunidense se convença de que decide sobre o futuro político do país.

    Bernstein está corretamente horrorizado não só com o ataque frontal à democracia mas com a atitude do “Washington Post” na publicação da matéria. O furo jornalístico foi enterrado na seção de “Estilo” do jornal e a editora do “Post” disse que a reportagem, apesar de “barulhenta”, não “justificaria uma primeira página”.

    Alinhando-se à editora, o resto da grande mídia norte-americana ignorou ou menosprezou a reportagem.

    Nós podemos assumir que Bernstein escreveu seu artigo sob pedido de Woodward, que assim demonstraria de forma encoberta o ultraje a que foi sujeito por seu jornal. A reportagem, com efeito, deveria causar um escândalo político. A dupla, presumivelmente, esperava que a história incitasse audiências no Congresso sobre o abuso de poder cometido por Murdoch, assim como aconteceu na Grã-Bretanha, onde investigações revelaram como o magnata controlava os políticos e a polícia britânicos.

    Como observa Bernstein, “a corrupção por Murdoch de instituições democráticas fundamentais em ambos os lados do Atlântico é um dos casos de maior importância e alcance político e cultural dos últimos 30 anos, uma narrativa em curso sem igual.”

    Bernstein só é incapaz de compreender porque os manda-chuvas da mídia não vêem as coisas como ele vê. Ele demonstra grande desalento perante “a falta de interesse da imprensa e dos políticos norte-americanos sobre o ocorrido. Não se sabe se o desinteresse é causado por medo do poderio de Murdoch e Ailes ou da pouca surpresa que traz a postura dos magnatas da mídia.”

    Na verdade, nenhuma das explicações de Bernstein para tamanha falha é convincente.

    Uma razão bastante mais provável para a aversão ao caso Ailes/Petraeus por parte da mídia norte-americana é que o caso oferece perigo à barreira construída pela mesma mídia que, com sucesso, oculta a cômoda relação entre as corporações (possuidoras da mídia) e os políticos do país.

    O caso revela a charada da disputa eleitoral. Poderosas elites manipulam o sistema com dinheiro e a mídia que eles comandam reduzem a escolha dos eleitores a dois candidatos quase idênticos. Esses candidatos sustentam as mesmas opiniões em 80% das questões. Mesmo as diferenças são resolvidas por trás dos panos pelas elites, seja por meio de lobistas, da mídia ou de Wall Street.

    A reportagem de Woodward não prova que Murdoch ameaça a democracia. Ela revela a absoluta dominação do sistema político norte-americano pelas grandes corporações. Essas corporações controlam o que vemos e ouvimos e incluem, obviamente, os donos do “Washington Post”.

    Triste é notar que os jornalistas da mídia corporativa são incapazes de enxergar além dos parâmetros que os donos da mídia impõem. E isso inclui mesmo os mais talentosos da categoria: Woodward e Bernstein.”

    FONTE (da complementação): escrito por Jonathan Cook, no “Commondreams”. O autor venceu o prêmio de jornalismo “Martha Gellhorn” em 2011. Seus dois últimos livros são sobre a Palestina. Artigo transcrito no site “Carta Maior” com tradução de André Cristi  (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21452).
     
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