Haddad reaproximará PT da classe média na cidade, diz chefe da campanha
De São Paulo
Folha - O que a eleição de Haddad representa para o PT?
Antonio Donato - É muito importante ganhar na maior cidade do país. Os governos Lula e Dilma já permitiram ao partido superar alguns preconceitos e reatar o diálogo com setores que tinham se afastado.
A crise do mensalão ajudou a afastar a classe média do PT, mas em São Paulo isso já vinha acontecendo antes. Sem dúvida, o perfil de Haddad vai ajudar na tarefa de reaproximação.
Qual será a diferença do novo governo para as gestões petistas de Marta e Erundina?
Vamos ter traços de continuidade e de superação. De continuidade, a forte presença de políticas sociais. De superação, uma visão mais consolidada do futuro da cidade e do seu desenvolvimento.
Isso está expresso no projeto do Arco do Futuro, que prevê uma reorganização da cidade rompendo com o paradigma de Prestes Maia [que concentrou as atividades econômicas no centro].
As outras gestões do PT desprezaram a necessidade de planejar o futuro?
Não. É um processo de maturação. Nós governamos em duas situações difíceis socialmente. Marta e Erundina enfrentaram cenários de recessão e estagnação econômica.
Pela primeira vez, vamos governar com os mais pobres melhorando de vida. É preciso continuar com as políticas sociais, mas também precisamos ter uma visão global da cidade, do seu futuro e dos desafios como metrópole mundial.
Marta e Erundina tiveram problemas com a classe média, concentrada na região central. O que essa área da cidade pode esperar do governo de Fernando Haddad?
Uma postura de quem quer unir a cidade. Haddad vai cuidar dos mais pobres, mas com a preocupação de ter uma cidade democrática, em diálogo com todos.
Queremos uma prefeitura que se preocupe com o meio ambiente e tenha cuidado com os bairros centrais.
Haddad não será um prefeito que dará as costas para o centro da cidade.
Qual é o impacto nacional da eleição paulistana?
Nossa vitória tem consequências políticas porque o candidato derrotado é o principal líder da oposição.
Mas o governo não será pautado pela disputa de 2014. Isso foi um recado do eleitor. Ele quer um prefeito 100% voltado para a cidade.
A derrota encerra a carreira política de Serra?
Em política é perigoso ser tão definitivo, mas é evidente que ele sai muito enfraquecido. O PT está fazendo um esforço de renovação geracional, e o PSDB não foi capaz de perceber que também precisava fazer isso.
Se o candidato tucano fosse outro, seria mais difícil?
É difícil falar em hipótese. Havia muito desgaste da gestão Kassab, da qual o PSDB fez parte, e isso não seria apagado com outro candidato. Por outro lado, ficou patente um cansaço do eleitor com a figura de Serra.
Disseram que o Geraldo Alckmin estava acabado quando perdeu a eleição para prefeito em 2008, e ele virou governador. É precipitado dar uma sentença definitiva. Hoje, 70 anos [idade de Serra] não é o fim da vida.
O que explica a vitória de Haddad?
O determinante foi a vontade de mudança diante de uma administração municipal muito mal avaliada.
O PT teve sensibilidade para escolher um nome que expressou bem este sentimento da cidade.
Kassab quase apoiou Haddad, com aval de Lula. Isso teria impedido a vitória?
O que elegeu Haddad foi o discurso de mudança. Isso não seria possível com o Kassab ao lado.
O PSD do prefeito deve aderir formalmente ao governo da presidente Dilma. Ele também pode apoiar o governo Haddad em São Paulo?
Na Câmara, não teremos nenhum problema em fazer aliança com o PSD. Se eles estiverem na base do governo Dilma e vierem se aliar a um programa de mudança, quem terá que se explicar são eles, não nós. Não vamos vetar apoios.
Qual foi o momento mais difícil da campanha?
O fim do primeiro turno. A campanha foi montada para um embate com o Serra. Quando vimos, havia duas eleições acontecendo. Na propaganda, era Haddad e Serra. Na vida real do povo, na periferia, era Haddad e Celso Russomanno. Ele era uma trava que nos impedia de crescer com nosso eleitor.
A decisão [de atacar o candidato do PRB] era difícil porque incluía muitos riscos. Se a gente errasse a abordagem, o Serra se fortaleceria.
O sr. e o PT se arrependem do acordo com Maluf?
Era uma aliança necessária. Nosso sistema político tem suas contradições, mas é nele que nós estamos. O PP está na base do governo federal, tem um ministério e não podia nos apoiar em São Paulo?
Tínhamos um candidato novo, que precisava de tempo de TV. A figura do Maluf não estaria presente na campanha. E não esteve.
A foto de Haddad e Lula abraçados a ele vai entrar para a história.
É, mas não foi decisiva para a eleição.
A aliança levou Erundina a desistir de ser vice de Haddad. Ela fez falta?
Ela fez campanha do seu jeito. Nós não tínhamos condições de voltar atrás [com Maluf]. E nem queríamos.
Como foi chefiar a campanha de um estreante que tinha vergonha até de cumprimentar eleitores na rua?
Haddad cresceu muito ao longo da campanha. Ao mesmo tempo em que se mostrou preparado, ele foi pegando traquejo e conseguiu se aproximar do eleitor mais pobre.
Ele é muito disciplinado, sempre se empenhou muito. É evidente que estava num mundo que não era dele, que ele nunca frequentou [nas visitas à periferia].
A ligação com a população mais pobre foi construída quando ele abandonou a postura fria de pesquisador e deixou o coração falar mais.
A eleição de alguém com esse perfil mostra que o marketing pode transformar qualquer pessoa num candidato competitivo?
Haddad não foi um produto de marketing. O primeiro programa de TV expressou o que ele falava há um ano: o Brasil mudou da porta de casa para dentro, mas a vida do povo não melhorou da porta para fora.
O marketing deu a forma, mas o conteúdo era dele.