A falta que faz uma boa eleição

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  • sábado, 25 de agosto de 2012
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  • Charge de Nani
    Eleições não deveriam estar voltadas exclusivamente para a escolha de candidatos.
    Sociedades democráticas complexas, com múltiplos interesses, carregadas de problemas e governadas por sistemas complicados, como são as nossas – e como é, sobretudo, a cidade de São Paulo –, deveriam encontrar nas eleições um momento qualificado de autoconhecimento e definição do futuro. Mediante a contraposição pública e o debate aprofundado de diferentes proposições a respeito do viver coletivo, os cidadãos teriam espaço para refletir sobre o desafio e as vantagens de viverem juntos, obtendo, ao mesmo tempo, melhor entendimento das reais chances que cada um tem de ser feliz.
    O debate público democrático é um recurso excepcionalmente virtuoso para que se construam decisões coletivas, se organizem agendas e planos de atuação, se hierarquizem problemas e demandas. É por meio dele que os cidadãos podem comparar candidatos e perceber o que os diferencia substantivamente. O debate ajuda a que se formem correntes de opinião e relações de lealdade entre candidatos, partidos, instituições e eleitores. E é nos momentos eleitorais que aumentam as oportunidades desse tipo de debate.
    Pois bem. Não é de hoje que as eleições deixaram de ser um momento superior de vida democrática. Continuam importantes, sem dúvida, e ainda chegam a causar algum frisson. Mas distanciaram-se do fundamental: não produzem mais nem debate público, nem lealdades ou vínculos de solidariedade, nem dinâmicas fortes de legitimação. Sobrevoam os cidadãos, seus problemas existenciais, suas aspirações e inquietações, pescando alguns deles de forma mais ou menos aleatória, sem plano ou concatenação programática.
    Mas como sustentar tal afirmação quando se vê o esforço dedicado dos candidatos para buscar o voto dos eleitores, os exaustivos debates que entre eles se organizam, as entrevistas e as polêmicas em que se envolvem, às vezes até mesmo de modo passional, com vigor visceral? Como diminuir a dimensão política (com P maiúsculo) das eleições quando se vê o empenho com que as principais lideranças políticas do país se jogam nelas, como se fossem o último gesto de suas consagradas carreiras? Não haveria nisso tudo a prova de que as eleições vão muito bem, as instituições se consolidaram e a política está viva, produzindo seus frutos tanto quanto antes?
    Seria descabido e equivocado retirar valor das eleições. Elas continuam a ser um rito democrático essencial na vida de nossas sociedades. Cumprem uma função importante, no mínimo como coreografia, declaração de intenções e voz do Estado, por menos que se as ouçam. O ponto não é esse: diz respeito ao que elas não fazem em termos de organização da agenda da sociedade (um elenco de prioridades estratégicas), das expectativas e demandas de seus cidadãos. Diz respeito ao que elas representam de oportunidades perdidas.
    Isso é assim, em boa medida, porque não há mais partidos políticos no sentido rigoroso da palavra. Os que existem converteram-se em grêmios, empreendimentos que agregam alguns interesses particulares mas nenhuma ideia substantiva, nenhuma proposta de futuro, nenhuma identidade política. Como os partidos mal se diferenciam entre si, transferem para seus candidatos a mesma vacuidade ideal e propositiva que os caracteriza. 
    Além disso, como não sabem movimentar-se fora do espetáculo e do mercado político, entregam o seu destino ao marketing, terceirizam as suas campanhas e permitem que elas sejam formatadas do mesmo modo que a venda de um automóvel ou sabonete. Entre muitas outras coisas, isso acaba por pasteurizar campanhas e candidatos, retirando relevância de suas propostas em benefício de frases de efeito, ideias extravagantes, “pegadinhas” e histrionismo. 
    Uma onda uníssona e caótica de informações desaba assim sobre os eleitores, que tendem a aderir ao que mais reluz, a se refugiar no já conhecido ou simplesmente a cumprir sua obrigação constitucional e tocar a vida.
    Dá para admitir que os partidos não ficaram assim somente por obra e graça de seus dirigentes e integrantes. O atual ciclo histórico em que nos encontramos – o do capitalismo globalizado, informacional, conectado, rápido e tecnológico – não lhes é nada favorável. A classe política não perdeu qualidade só porque passou a ser integrada por maus políticos. Aos partidos e aos políticos, no entanto, deve ser atribuído o ônus da inação: precisam ser criticados por estarem se entregando sem resistência a um modo de fazer política que desqualifica a democracia, diminui a representação e faz com que a política se distancie do cidadão, ou somente o atinja no plano adjetivo, da matéria bruta e do interesse, sem sequer tocar no céu dos valores, dos sonhos e do que é realmente importante.
    Sem poderem explicitar seu potencial cívico e democrático, as eleições não produzem combustível para mudanças. No caso de São Paulo, o que deveria haver de debate político traduz-se, na verdade, em briga e embate, sustentado por uma polarização retórica e superficial entre “petistas” e “antipetistas”, bons “administradores” e políticos, “novos” e “velhos”, que desfilam nas telas de nossas casas como peças de um museu de cera, provocando tédio, desânimo e deboche. É uma dinâmica que leva muitos eleitores à flutuação e a uma busca sôfrega por candidatos que tragam, ao mesmo tempo, segurança (um passado limpo, o cumprimento de promessas) e renovação, coisas que se encaixam com dificuldade. Zero de educação política, menos ainda de orientações programáticas, quase nada de inteligência técnica. 
    Mais tarde, fechadas as urnas e contabilizados os votos, a vida retoma seu curso, os candidatos são esquecidos e entre eles e a sociedade não se estabelece nenhum novo vínculo nem impulso reformador algum. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 25/08/2012, p. A2]
     
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