Naqueles dias de agosto de 1964, o DOPS e as Forças Armadas estavam muito mais preocupadas com uma guerrilha que estava sendo preparada pelo Sargento Sá Roriz a mando de Leonal Brizola, na Serra do Caparaó em Minas Gerais, que com meia dúzia de adolescentes idealistas na Ilha do Governador.
Na verdade tudo que eles desejavam era encerrar nosso assunto para dedicarem-se a fundo na perseguição ao Sá Roriz. Para isso o Leo Leoni, ligado à guerrilha do Caparaó, já havia sido preso.
Depois de uns dias de “molho”, onde por segurança eu parecia haver pegado a peste – não podia aproximar-me de ninguém, nem alguém de mim... percebi que não era seguido e então reuni parte da base numa praia da Ilha, e expus o que o DOPS queria: que fôssemos lá para encerrar o assunto. Eles achavam que a gente era burro e nós achávamos que eles eram espertos.
Por um momento cheguei a pensar que seria possível ir até lá. Iríamos eu, o Raposo com seus 15 anos, e a Bela com seus dezesseis anos.Eles veriam os “três mosqueteiros” da Revolução e nos liberariam, inofensivos que pareceríamos diante da ameaça militar de Caparaó .
Foi quando a nossa musa, origem das nossas fantasias mais despudoradas, e que aqui chamo de Bela, encheu os pulmões de ar e quase gritando disse-nos:
-“ Só vou arrastada! Se quiserem me levar que gastem o dinheiro da gasolina pra vir me buscar! Só vou arrastada! Só vou à força!!!”
A determinação daquela mocinha de dezesseis anos encerrou a reunião praieira, brejeira, da juventude comunista.
E ninguém voltou ao DOPS, e tampouco o DOPS veio até nós.
O assunto resolveu-se por si, sequer inquérito houve. Sá Roriz já havia sido preso e a guerrilha desbaratada antes de sequer começar. Eles estavam muito ocupados com peixes graúdos pra prestar atenção nas sardinhas da Ilha.
Mas ali aprendi a força e a determinação das mulheres na luta. Durante os anos que se seguiram pude observar que elas sempre foram muito mais perseverantes e corajosas que nós.
Este destemor de Bela a levaria anos mais tarde ao pau-de-arara, à tortura e sequelas físicas que até hoje carrega consigo. Mas testemunho aqui, que ela , mulher de fibra, jamais fugiu da luta e sempre desafiou a Ditadura e seus torturadores, até quando os encontrava fora do País.
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