- “Comi!
- Não comeu!
- Comi.
“ Não comeu!
- Comeu ou não comeu?
- Comi.
- Questão de ordem: se comeu, comeu quando?”
Esta era a acalorada discussão política, revolucionária, que se desenrolava num quarto do “aparelho” com a presença dos 18 militantes da base do partido, e mais o assistente da Direção Municipal, e o enviado especial do Comitê Estadual da Guanabara (o nome do estado naquele tempo) .
Vinte camaradas para apurar se eu havia realmente desrespeitado o dogma partidário de que: “mulher de companheiro é homem”, e haveria ou não papado a mulher do Raposo.
Raposo era o mais novo membro da base, estava com 15 anos. Um galinho garnizé.Todo emproado , orgulhoso da sua virilidade nascente.
O companheiro havia conseguido cair nas graças de uma “coroa” aposentada da Panair. A “moça” deveria ter por volta de 55 anos. E ele, 15.Ela morava no mesmo bairro e dava a ele vida boa, e sobretudo sexo para saciar o testosterona que dirigia agora suas emoções.
A Ilha do Governador não era exatamente um subúrbio. Não éramos “suburbanos”, éramos “ilhéus”. Mas naquele ano de 1965 era muito comum os rapazes de subúrbio, ou ilhéus, saírem sábado à noite para Copacabana pra “ganhar” uma coroa, e quando isso acontecia a volta era triunfal, e a ida se repetiria com endereço certo por vezes incontáveis.
Raposo havia conseguido sua “coroa” na própria Ilha, e estava muito vaidoso de si. Desprezava agora a disciplina stalinista, o centralismo, e os companheiros de base.Achava-se o maior machão do mundo... displicente com as tarefas da militância... era preciso agir para que Lenine , e não Domícia – o nome da senhora - voltasse a ocupar a sua cabeça.
Coube a mim esta tarefa revolucionária.
Um dia em que Raposo não estava na Ilha, fui eu mesmo à casa da dita senhora, com a desculpa de levar um recado de Raposo, e sobrou pra mim. Amanheci ao seu lado com café servido na cama e massagem nos pés.
De sunga, da cama fui à varanda no momento justo em que Raposo passava na rua e viu-me ,eu, ali, "nas asas da Panair", amante da amantíssima ex-comissária .
Armou tamanho escândalo sexo-político na base, que foi necessária uma reunião com a Direção Estadual presente para esclarecer se eu havia comido ou não a dita senhora.
Raposo negava-se a acreditar no fato. Seria a destruição de sua vaidade viril , a quebra da sua “fantasia amorosa”.
E na “seríssima reunião” que se estendeu por horas - mesmo na clandestinidade - para discutir o assunto, Raposo negava que eu pudesse tê-la “papado”. Daí o diálogo :
- “Comi!
- Não comeu!
- Comi.
- Não comeu!
- Comeu ou não comeu?
- Comi.
- Questão de ordem: se comeu, comeu quando?”
A querela findou-se quando respondi esta pergunta:
- “Comi 5ª feira á noite. E digo como prova : na hora do orgasmo,ela que tem uma pinta na virilha, chamava-me de seu “coelhinho” enquanto sussurrava :Come alface coelhinho, come.”
Prova definitiva.. Raposo queria me encher de porrada e fui suspenso das funções de Secretário Geral da Base , por um bom tempo, o tempo suficiente para que a camaradagem entre Raposo e eu voltasse através da luta diária.
A senhora? Nunca mais a "visitei", menos ainda o Raposo, traído. Corno aos 15 anos.
(Próximo: INCÊNDIO NO APARELHO)
(Próximo: INCÊNDIO NO APARELHO)