Em 1964 um mimeógrafo era uma arma poderosa. Quem tivesse um mimeógrafo teria o que hoje seria similar a um computador conectado na Rede. Talvez até mais poderoso, pois poucos eram os mimeógrafos e seus proprietários.
Havia o mimeógrafo a álcool , que imprimia poucas folhas e dava a maior bandeira pois deixava suas mãos manchadas de tinta azul, denunciando o produtor dos panfletos.
E o mimeógrafo a tinta, este ainda mais raro, com tinta preta, mas que podia rodar até 1.000 documentos se necessário.
Procuramos desesperados por um mimeógrafo e conseguimos um a tinta.
Instalado na minha casa – meu pai estava viajando – marcamos a tarefa de rodar os panfletos da “Frente Revolucionária” para aquela noite mesmo.
À meia noite lá estavam: eu, Oswaldo, Cristiano, Pedro, Olímpio e mais uns dois companheiros.
A época era de clandestinidade. Sigilo. Discrição.
Para manter isto o que fizemos nós, os bravos adolescentes na luta contra a Ditadura? Compramos 3 garrafas de Drink Dreher, uns seis maços de Hollywood sem filtro, e uma vara de pão.
À uma hora da manhã os efeitos da bebida já se faziam sentir: gritávamos, cantávamos, discutíamos, as luzes todas acesas...um escândalo enquanto a manivela do mimeógrafo , rangendo, também cantava a sua “Internacional”.
Ali estavam sobre a mesa , afinal, centenas de Manifestos que seriam distribuídos ao povo brasileiro, que quiçá motivado por nossa ação derrubaria a Ditadura no dia posterior.
Às quatro da manhã, estávamos nós ainda lá. Manifestos rodados, descansávamos o descanso dos guerreiros. Cachaça misturou-se à Coca-Cola – “Samba em Berlim”, e a algaravia aumentava.
Eram bebidas e cigarros. Maconha não. Naquele tempo adolescentes como nós sequer sabiam o uso da Cannabis. Este ficava restrito ainda ao mundo dos marginais da Lapa. Ao temido mundo de Madame Satã, cuja figura mitológica nos apavorava quando de incursões à este bairro, em busca de aventuras eróticas.
Baco estava solto na orgia leninista da Ilha do Governador. Quando afinal, Jesus talvez, ou mesmo Alziro Zarur, manifestou sua ira e repressão sob a forma da vizinha de baixo, Dona Therezinha, militante da Legião da Boa Vontade, que bateu á porta e nos informou que iria chamar a polícia para impedir aquela baderna que não a deixava dormir.
Imediatamente, de revolucionários destemidos nos transformamos em púberos escolares: “Sim D. Therezinha; desculpe Dona Therezinha: a senhora está certa Dona Therezinha...”.
Deprimidos, o grande bode instalou-se no centro da sala, e sob seu poder castrador dormimos pelas poltronas e chão, para acordarmos no dia seguinte e partirmos para uma interminável reunião de auto crítica pela “forma antirevolucionária” com que nos comportamos.
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