No primeiro dia como Ministra dos Direitos Humanos, a Deputada Maria do Rosário já disse a que veio: dentre outras prioridades prometeu, em seu discurso de posse, que vai cumprir o Plano Nacional de Direitos Humanos, pedindo ainda ao Congresso que aprove a criação da Comissão da Verdade, que tem a atribuição buscar o esclarecimento de casos de tortura, morte e ocultação de cadáveres ocorridos durante a ditadura militar de 64. Segundo a Ministra, “o Estado brasileiro tem de resgatar sua dignidade em relação aos mortos e desaparecidos na ditadura. Como disse a Presidente Dilma, não se trata de revanchismo.”
Mas, como era de se esperar, a firme disposição de Rosário em enfrentar esta questão, cujo encaminhamento vem se postergando devido a pressões dos militares, apoiados dissimuladamente pelo Ministro da Defesa, o general-de-opereta Nelson Jobim (em que lugar melhor poderia estar um sujeito que acrescenta secretamente na Constituição dispositivos que não foram votados?), causou frisson na caserna.
Apresentando-se como porta-voz da gorilada saudosa da ditadura, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general José Elito Siqueira, manifestou-se contra o projeto, afirmando que a existência de desaparecidos no regime militar não deve ser motivo de vergonha, mas sim considerado como fato histórico. Pela fala, conclui-se que o general considera normal o desaparecimento de pessoas por motivos políticos durante a ditadura militar, o qual ele chama, eufemisticamente de “Movimento de 31 de março de 1964”.
O militar, imediatamente chamado pela presidente Dilma a se explicar, pois a criação da Comissão da Verdade é projeto do seu governo e do governo Lula, jogou a culpa nos jornalistas, dizendo que “foi mal compreendido” pela imprensa.
Ocorre que, sabidamente, os militares são contra a criação de um órgão destinado a dar a versão oficial do Estado brasileiro sobre as torturas e as mortes patrocinadas por órgãos de repressão política durante a ditadura de 64, fato explicado não apenas pelo espírito corporativo fortemente arraigado na caserna mas, especialmente, porque quase todos os militares que atualmente ostentam altos postos da hierarquia militar fizeram suas carreiras e cresceram profissionalmente durante a ditadura. E, como se consegue isto? Servindo-a exemplarmente. Daí a resistência ao desvelamento das atrocidades cometidas por órgãos de Estado durante o regime militar.
E não é somente agora que a contrariedade dos militares se manifesta publicamente: em fevereiro de 2010, o general Maynard Marques de Santa Rosa foi exonerado do cargo de chefe do Departamento-Geral de Pessoal do Exército (embora com quatro estrelas no ombro, era apenas comandante de escrivaninha) porque em carta endereçada a um amigo da reserva, mas amplamente divulgada na internet, afirmara que a Comissão da Verdade seria formada por “fanáticos” e que seria a “comissão da calúnia.”
Como se vê, não será nada fácil a empreitada da ministra, especialmente se considerado que o seu colega de ministério, o general-da-banda Nelson Jobim, faz um jogo pendular, ora atacando iniciativas destinadas à defesa de direitos humanos, ora dizendo apoiá-las.
Ontem à noite, ao pesquisar documentos, caiu às mãos deste armarinheiro o discurso pronunciado pelo falecido poeta, jornalista, vereador e vice-prefeito de porto Alegre, Glênio Peres, na posse da Câmara Municipal da capital gaúcha ocorrida em janeiro de 1977, em plena ditadura. Perante uma plateia repleta, na qual se encontravam, dentre outros, o prefeito nomeado de Porto Alegre e diversas autoridades militares, Glênio, corajosamente, como era da sua natureza, afirmou que “A Câmara Municipal de Porto Alegre é para proclamar também o grande buraco aberto nos direitos humanos, nos direitos do cidadão brasileiro. Esta tribuna é para dizer que há um buraco numa rua do Sarandi [bairro de Porto Alegre] e que há uma imensa prisão que hoje impede a manifestação de pensamento em prol da liberdade de todos os brasileiros. Esta tribuna, senhor presidente, senhor prefeito, serve para dizer que não há asfalto em determinadas vielas da comunidade, mas tem que servir para dizer que há escolas chamadas de anti-terrorismo, especialistas em retirar as unhas das pessoas, fazer doer a integridade física das pessoas, em fazer com que cada um diga o que não quer e, principalmente, fazer com que pague com seu sangue, e sua vida, o preço do seu pensamento e o exercício da sua liberdade.”
Este discurso custou os mandatos de Glênio Peres e de outro corajoso lutador pelos direitos humanos da capital gaúcha, o também já falecido ex-vereador Marcos Klassmann, que reproduziu o discurso dias depois, cassados pelo general da vez com base no AI-5.
Maria do Rosário, que também foi vereadora em Porto Alegre, é herdeira desta tradição de lutadores gaúchos em prol da liberdade e dos direitos humanos. E quem pensa que o seu jeito delicado a torna passível de pressões e constrangimentos, se engana: coragem e determinação, ela tem de sobra.
Apresentando-se como porta-voz da gorilada saudosa da ditadura, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general José Elito Siqueira, manifestou-se contra o projeto, afirmando que a existência de desaparecidos no regime militar não deve ser motivo de vergonha, mas sim considerado como fato histórico. Pela fala, conclui-se que o general considera normal o desaparecimento de pessoas por motivos políticos durante a ditadura militar, o qual ele chama, eufemisticamente de “Movimento de 31 de março de 1964”.
O militar, imediatamente chamado pela presidente Dilma a se explicar, pois a criação da Comissão da Verdade é projeto do seu governo e do governo Lula, jogou a culpa nos jornalistas, dizendo que “foi mal compreendido” pela imprensa.
Ocorre que, sabidamente, os militares são contra a criação de um órgão destinado a dar a versão oficial do Estado brasileiro sobre as torturas e as mortes patrocinadas por órgãos de repressão política durante a ditadura de 64, fato explicado não apenas pelo espírito corporativo fortemente arraigado na caserna mas, especialmente, porque quase todos os militares que atualmente ostentam altos postos da hierarquia militar fizeram suas carreiras e cresceram profissionalmente durante a ditadura. E, como se consegue isto? Servindo-a exemplarmente. Daí a resistência ao desvelamento das atrocidades cometidas por órgãos de Estado durante o regime militar.
E não é somente agora que a contrariedade dos militares se manifesta publicamente: em fevereiro de 2010, o general Maynard Marques de Santa Rosa foi exonerado do cargo de chefe do Departamento-Geral de Pessoal do Exército (embora com quatro estrelas no ombro, era apenas comandante de escrivaninha) porque em carta endereçada a um amigo da reserva, mas amplamente divulgada na internet, afirmara que a Comissão da Verdade seria formada por “fanáticos” e que seria a “comissão da calúnia.”
Como se vê, não será nada fácil a empreitada da ministra, especialmente se considerado que o seu colega de ministério, o general-da-banda Nelson Jobim, faz um jogo pendular, ora atacando iniciativas destinadas à defesa de direitos humanos, ora dizendo apoiá-las.
Ontem à noite, ao pesquisar documentos, caiu às mãos deste armarinheiro o discurso pronunciado pelo falecido poeta, jornalista, vereador e vice-prefeito de porto Alegre, Glênio Peres, na posse da Câmara Municipal da capital gaúcha ocorrida em janeiro de 1977, em plena ditadura. Perante uma plateia repleta, na qual se encontravam, dentre outros, o prefeito nomeado de Porto Alegre e diversas autoridades militares, Glênio, corajosamente, como era da sua natureza, afirmou que “A Câmara Municipal de Porto Alegre é para proclamar também o grande buraco aberto nos direitos humanos, nos direitos do cidadão brasileiro. Esta tribuna é para dizer que há um buraco numa rua do Sarandi [bairro de Porto Alegre] e que há uma imensa prisão que hoje impede a manifestação de pensamento em prol da liberdade de todos os brasileiros. Esta tribuna, senhor presidente, senhor prefeito, serve para dizer que não há asfalto em determinadas vielas da comunidade, mas tem que servir para dizer que há escolas chamadas de anti-terrorismo, especialistas em retirar as unhas das pessoas, fazer doer a integridade física das pessoas, em fazer com que cada um diga o que não quer e, principalmente, fazer com que pague com seu sangue, e sua vida, o preço do seu pensamento e o exercício da sua liberdade.”
Este discurso custou os mandatos de Glênio Peres e de outro corajoso lutador pelos direitos humanos da capital gaúcha, o também já falecido ex-vereador Marcos Klassmann, que reproduziu o discurso dias depois, cassados pelo general da vez com base no AI-5.
Maria do Rosário, que também foi vereadora em Porto Alegre, é herdeira desta tradição de lutadores gaúchos em prol da liberdade e dos direitos humanos. E quem pensa que o seu jeito delicado a torna passível de pressões e constrangimentos, se engana: coragem e determinação, ela tem de sobra.