O vídeo acima, visto, até agora, por 30.676 pessoas, tem, sem dúvida, aquela estética meio cafona muito própria das manifestações nacionalistas. Não o publico aqui porque seja um exemplo de bom gosto artístico. Mas acho que ele simboliza, sim, um pedido de socorro. Um crime de dimensões históricas está sendo cometido em Honduras, um pequeno país esmagado pela fúria barulhenta dos canalhas e pelo silêncio dos bons. Por mais que os autores do vídeo tenham selecionado as imagens que justificam o seu ponto de vista — nem poderia ser diferente —, aquelas milhares de pessoas existem e saíram às ruas repudiando Manuel Zelaya. A imprensa do mundo — a brasileira também — ignorou o fato. Segundo a Economist, apenas 25% dos hondurenhos defendem a volta do Aloprado ao poder. A esmagadora maioria o quer longe do governo — e até do país. Atenção! Este blog tem frases de estimação: uma delas è que o povo não é soberano para rasgar a Constituição que ele próprio votou. Não apóio golpes de estado, quarteladas e afins. Mas insisto desde o primeiro dia — e noto que, parece, parte da imprensa mundial começa a se dar conta do fato — que Zelaya foi deposto segundo a Constituição. Roberto Micheletti é o presidente constitucional. Se foi um erro tirar Zelaya do país e até um crime, que se tente provar isso nos tribunais hondurenhos, que seguem funcionando. É ESCANDALOSO QUE NÃO SE NOTICIE QUE O GOVERNO MICHELETTI NÃO BAIXOU UMA SÓ LEI DE EXCEÇÃO NO PAÍS. NADA!!!
Um crime histórico está sendo cometido em Honduras. Quem saiu gritando que um golpe de estado tinha sido dado foi Hugo Chávez, e sua acusação foi logo secundada pelo secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, aliado do ditador venezuelano. Dias antes, Insulza havia liderado os esforços para revogar a suspensão de Cuba da entidade, e os EUA concordaram, já que a política externa de Obama consiste em pedir desculpas e em se justificar diante dos antiamericanos. De Raúl Castro, nada se exigiu. Lula foi um loquaz defensor da medida e, em mais de uma entrevista, afirmou que os demais países não tinham de se meter na política interna cubana. No discurso na ONU, num mesmo parágrafo, Lula cobrou a reinstalação do golpista Zelaya no poder e o fim do embargo americano à tirania cubana. É um acinte.
Um crime histórico está sendo cometido em Honduras, que vivia três décadas de regime democrático, com sucessões pacíficas, até que Chávez decidisse exportar seu modelo para aquele país, o que já havia conseguido fazer com sucesso no Equador e na Bolívia. No momento, está empenhado em desestabilizar o Peru, usando para isso Rafael Correa, seu satélite. Roberto Micheletti foi empossado segundo o que prevê a Constituição hondurenha. Zelaya foi deposto pela Corte Suprema porque a ela cabe interpretar a Carta. E o texto é explícito: o que ele tentara fazer atentava contra a Lei Magna. Criar condições para reeleger presidentes implica deposição automática com perda dos direitos políticos por dez anos. Quando foi tirado do país — ou concordou em sair, segundo apurei (o pijama fez parte de sua pantomima) —, já não era mais presidente. Ainda que a saída de pijama tenha sido ato de força, não é isso que caracteriza golpe de Estado.
Um crime histórico está sendo cometido em Honduras porque estamos diante do primeiro país — uma pequenina República — que decidiu dizer “não” aos métodos chavistas de assalto ao poder pela via eleitoral. Estamos diante do primeiro país que disse com todas as letras: “Aqui não queremos golpes com tanques nem com urnas” — urnas e cédulas, até isso, confeccionadas na Venezuela. Em si, não se trata de um crime, mas é um símbolo do quanto Hugo Chávez estava envolvido no processo. O mesmo Hugo Chávez que já havia patrocinado as duas tentativas anteriores de Zelaya voltar ao país. Na primeira, deixou-se fotografar em seu bunker passando instruções ao piloto de um avião da PDVESA, a estatal de petróleo venezuelana. Já ali se violava o espaço aéreo de Honduras, diante do silêncio cúmplice do resto do mundo.
Um crime histórico está sendo cometido em Honduras porque se tenta consolidar o que já chamei aqui de “absolutismo das urnas”, como se um presidente, porque eleito, tudo pudesse, inclusive contra a Constituição que garantiu e legitimou a sua própria eleição. E, em Honduras, no Brasil ou nos Estados Unidos, presidentes são eleitos para cumprir a Constituição. Se querem mudá-las, têm de fazer segundo os mecanismos que elas mesmas prevêem. Mas os bolivarianos descobriram o atalho dos plebiscitos e referendos. Tais consultas abrem uma senda para qualquer maluquice. Não por acaso, os bolivarianos do PT queriam fazer também um plebiscito no Brasil: a favor ou contra Lula tentar um terceiro mandato. MAS QUE SE NOTE: CASO SE FIZESSE, SERIA, DO PONTO DE VISTA POLÍTICO, A ADMISSÃO DE QUE LULA NÃO TEM LÁ MUITO AMOR PELA ALTERNÂNCIA DE PODER. MAS A NOSSA CONSTITUIÇÃO É MENOS EXPLÍCITA DO QUE É A HONDURENHA NA PROIBIÇÃO DO EXPEDIENTE.
Um crime histórico está sendo cometido em Honduras, e ele se dá num momento em que organismos multilaterais estão tomados por teóricos do “sulismo” — que seria uma nova verdade política surgida no Hemisfério Sul (ou países que podem até estar no Norte geográfico, mas no Sul Econômico) oposta aos interesses dos ricos — EUA e Europa, que agora carregam a culpa de terem sido lenientes com os mercados e terem permitido a farra financeira. Ocorre que, junto com a reivindicações econômicas até justas, surge também o que seria uma nova maneira de fazer política. E esta, vejam que curioso, é hostil à democracia representativa. O Brasil, desgraçadamente, consegue conciliar uma boa performance econômica (e esse é o aspecto positivo) em razão de mudanças institucionais operadas no pré-Lula, com uma atuação miserável no cenário internacional. Não há ditador canalha e salafrário neste vasto mundo que não tenha sido paparicado por Lula em nome do pragmatismo. Quando não é um tirano clássico, trata-se de um financiador do terrorismo e genocida em potencial como Ahmadinejad. O Brasil se torna, assim, uma espécie de formulador e patrocinador de soluções heterodoxas no que concerne à política.
Um crime histórico está sendo cometido em Honduras num momento em que faltam líderes de peso nos EUA e na Europa, facilitando a emergência de alguns espécimes do “sulismo” que não conseguem entender o regime democrático. Ontem, na reportagem do Jornal Nacional sobre o que diz a Constituição de Honduras, Lula perguntou que mal há em fazer um plebiscito. Aquele de Zelaya, segundo a lei do país, era ilegal. A Justiça disse que era. Ele não deu bola e mandou os militares tocarem adiante a proposta. Ali já estava o golpe. Mas a Europa é hoje não mais do que um amontoado de mercadores intimidados pelos organismos multilaterais, pelo onguismo e pelos negócios rasos. Sarkozy defendendo um assento permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU depois que ficou claro que Lula escolheu os caças Rafale e que um dos preços cobrados por Lula — para pagar o preço bilionário dos aviões — era este fez do presidente francês não mais do que um vulgar mascate, muito pouco sutil. Dois Rafales caíram no dia seguinte.
Um crime histórico está sendo cometido em Honduras num momento em que os EUA vivem a sua grande catarse. Ainda ontem vi Obama, amadíssimo pelos 192 da ONU (dois terços são ditadores ou semi), a defender a redução do arsenal nuclear justamente quando Coréia do Norte e Irã estão interessados na sua ampliação e quando o “aliado” e ascendente Lula dá as mãos a Ahmadinejad em defesa do “programa pacífico de energia nuclear” dos aiatolás. Um Obama que, a cada dia, é mero repetidor de seus slogans de campanha e que permite que um pequeno país, DEMOCRÁTICO, seja esmagado por uma súcia de ditadores e populistas. Pior: há uma severa suspeita de que setores do Departamento de Estado dos EUA possam ter participado da conspirata. Não, Obama não pode. E não quer que os Estados Unidos possam.
Um crime histórico está sendo cometido em Honduras na era em que o Ocidente, como diz meu amigo Nelson Ascher, é governado por um híbrido, sim, e isto nada tem a ver com o fato de Obama ser mestiço, filho de um negro e de uma branca. Isso já passou e não tem mais importância. Se foi eleito, é porque, felizmente, o racismo nos EUA deixou de ser relevante, ao contrário do que afirma Carter, especialista em amendoim. O problema de Obama é que ele é fruto do cruzamento das ONGs com o teleprompter. Seu novo compromisso é o descompromisso.
E só por isso um crime histórico está sendo cometido em Honduras.