Duas pátrias, dois poemas, as mesmas dores...

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  • quinta-feira, 12 de março de 2009
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  • Portugal
    (Alexandre O'Neill, 1965)

    Portugal, se fosses só três sílabas,
    linda vista para o mar,
    Minho verde, Algarve de cal,
    jerico rapando o espinhaço da terra,
    surdo e miudinho,
    moinho a braços com um vento
    testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
    se fosses só o sal, o sol, o sul,
    o ladino pardal,
    o manso boi coloquial,
    a rechinante sardinha,
    a desancada varina,
    o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
    a muda queixa amendoada
    duns olhos pestanítidos,
    se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
    o ferrugento cão asmático das praias,
    o grilo engaiolado, a grila no lábio,
    o calendário na parede, o emblema na lapela,
    ó Portugal, se fosses só três sílabas
    de plástico, que era mais barato!

    Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
    rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
    não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
    galo que cante a cores na minha prateleira,
    alvura arrendada para o meu devaneio,
    bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

    Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
    golpe até ao osso, fome sem entretém,
    perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
    rocim engraxado,
    feira cabisbaixa,
    meu remorso,
    meu remorso de todos nós...


    Hino Nacional
    (Carlos Drummond de Andrade, 1934)

    Precisamos descobrir o Brasil!
    Escondido atrás as florestas,
    com a água dos rios no meio,
    o Brasil está dormindo, coitado.
    Precisamos colonizar o Brasil.

    O que faremos importando francesas
    muito louras, de pele macia,
    alemãs gordas, russas nostálgicas para
    garçonetes dos restaurantes noturnos.
    E virão sírias fidelíssimas.
    Não convém desprezar as japonesas...

    Precisamos educar o Brasil.
    Compraremos professores e livros,
    assimilaremos finas culturas,
    abriremos dancings e subvencionaremos as elites.

    Cada brasileiro terá sua casa
    com fogão e aquecedor elétricos,
    piscina, salão para conferências científicas.
    E cuidaremos do Estado Técnico.

    Precisamos louvar o Brasil.
    Não é só um país sem igual.
    Nossas revoluções são bem maiores
    do que quaisquer outras; nossos erros também.
    E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões...
    os Amazonas inenarráveis... os incríveis João-Pessoas...

    Precisamos adorar o Brasil!
    Se bem que seja difícil caber tanto oceano e tanta solidão
    no pobre coração já cheio de compromissos...
    Se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens,
    por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão
    de seus sofrimentos.

    Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
    Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
    ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
    O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
    Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
    Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?
     
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