Hoje está acontecendo o segundo turno das eleições para Alcaide da mui leal e heróica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Como escrevo antes do término da votação, ainda não sei quem será o ungido para nos guiar nos próximos quatro anos: se o ex-esquerdista com discurso neoudenista e de viés tucano ou se o ex-tucano com discurso neolulista. De qualquer forma, neste apagar das luzes, gostaria de deixar o registro de algumas situações por mim vividas ou testemunhadas ao longo da campanha eleitoral:
1- Foi de impressionar o fundamentalismo verde que tomou conta de parte dos cariocas nas últimas semanas, contaminando, inclusive, boa parte do meu círculo de relações. Do jeito que os ânimos estavam exaltados, só faltou eu ser agredido fisicamente ao manifestar em público a minha posição crítica em relação à candidatura de Fernando Gabeira. Se no início da conversa a reação era de espanto – “Como alguém com sua formação intelectual e sua trajetória política pode não apoiar o Gabeira? -, em um segundo momento, partia-se para o campo da agressão verbal e, geralmente, o diálogo terminava de maneira abrupta. O mais engraçado é que aqueles que ainda aceitavam escutar os meus argumentos até o fim, na maioria das vezes, não conseguiam se contrapor a eles e encerravam a discussão com afirmações do gênero: “Eu voto nele, porque é o candidato do sonho”, “Minha intuição me diz que Gabeira é o melhor candidato”, “Tenho certeza que a Cidade vai amanhecer mais feliz na segunda-feira, caso ele ganhe”. Com isto, não havia jeito: quando o debate sai do campo da lógica e da racionalidade e resvala para questões metafísicas, fica impossível discutir qualquer coisa de forma séria. Então, só me restava tirar o time de campo...
2- Desde antes do primeiro turno, circula uma estória de que o Gabeira, ao participar de um ato de campanha (ou debate, depende da versão) teria sido chamado de viado e que, então, teria reagido dizendo que, mesmo que ele fosse, isto não era importante, pois não “iria governar com o cu” (os detalhes da estória variam de acordo com cada relato). Diversas pessoas vieram contar-me este episódio (também o recebi por e-mail) e algumas delas, inclusive, afirmaram ter estado presente na ocasião. O problema é que segundo uma das versões isto aconteceu na UFRJ; segundo outra, na UERJ; de acordo com uma terceira, durante uma caminhada na orla; em uma quarta versão, isto ocorreu em uma panfletagem no Centro e por aí vai. Na verdade, este boato não passa de uma daquelas lendas urbanas que surgem não se sabe de onde. Em 1986, quando Gabeira foi candidato a governador pela coligação PT-PV (campanha da qual participei ativamente, como membro da coordenação estudantil da mesma), tal estória já rolava, só que, naquele momento, os apoiadores das outras candidaturas (Darcy Ribeiro e Moreira Franco) a contavam de forma irônica e pejorativa, associando-a uma suposta homossexualidade de Gabeira e, como resultado disto, ao seu “despreparo” para assumir um cargo tão importante. Hoje, tal relato foi resgatado pelos eleitores do candidato do PV, em um sentido diametralmente oposto: ele mostraria o raciocínio rápido e a inteligência de Gabeira e, portanto, a sua capacidade para se tornar o novo prefeito do Rio de Janeiro. Assim, não pude deixar de lembrar-me das reflexões de Marc Bloch sobre as “notícias falsas”, feitas a partir da sua experiência como militar no front durante a Primeira Guerra Mundial, ao perceber como os boatos mais absurdos eram difundidos nos campos de batalha e como os soldados estavam predispostos a acreditar neles. Tais reflexões culminaram na escrita de uma das obras-primas da historiografia do século XX, “Os Reis Taumaturgos”, onde ele analisa a crença no milagre régio da cura das escrófulas, durante a Idade Média. Neste livro, Bloch expõe a idéia de que mais importante do que discutir a veracidade do milagre em si, é procurar entender a mentalidade coletiva que gerou esta crença. De certa forma, ao encarnar as aspirações de determinados setores da sociedade carioca e ao trabalhar de forma extremamente hábil alguns momentos de sua trajetória política e pessoal, Gabeira conseguiu criar em torno de si uma certa aura mítica. O problema é que uma sociedade – ou setores dela - que precisa desesperadamente de mitos, geralmente, traz em si um grande déficit de realidade concreta, como bem diria o Boaventura de Souza Santos.
Agora, ao fim do processo eleitoral, só desejo que as patrulhas verdes - independentemente do resultado das eleições - esqueçam-se de mim a partir de amanhã e que algumas relações não tenham ficado estremecidas devido à tensão pré-eleitoral. Afinal, o que posso fazer se meu coração é vermelho?
1- Foi de impressionar o fundamentalismo verde que tomou conta de parte dos cariocas nas últimas semanas, contaminando, inclusive, boa parte do meu círculo de relações. Do jeito que os ânimos estavam exaltados, só faltou eu ser agredido fisicamente ao manifestar em público a minha posição crítica em relação à candidatura de Fernando Gabeira. Se no início da conversa a reação era de espanto – “Como alguém com sua formação intelectual e sua trajetória política pode não apoiar o Gabeira? -, em um segundo momento, partia-se para o campo da agressão verbal e, geralmente, o diálogo terminava de maneira abrupta. O mais engraçado é que aqueles que ainda aceitavam escutar os meus argumentos até o fim, na maioria das vezes, não conseguiam se contrapor a eles e encerravam a discussão com afirmações do gênero: “Eu voto nele, porque é o candidato do sonho”, “Minha intuição me diz que Gabeira é o melhor candidato”, “Tenho certeza que a Cidade vai amanhecer mais feliz na segunda-feira, caso ele ganhe”. Com isto, não havia jeito: quando o debate sai do campo da lógica e da racionalidade e resvala para questões metafísicas, fica impossível discutir qualquer coisa de forma séria. Então, só me restava tirar o time de campo...
2- Desde antes do primeiro turno, circula uma estória de que o Gabeira, ao participar de um ato de campanha (ou debate, depende da versão) teria sido chamado de viado e que, então, teria reagido dizendo que, mesmo que ele fosse, isto não era importante, pois não “iria governar com o cu” (os detalhes da estória variam de acordo com cada relato). Diversas pessoas vieram contar-me este episódio (também o recebi por e-mail) e algumas delas, inclusive, afirmaram ter estado presente na ocasião. O problema é que segundo uma das versões isto aconteceu na UFRJ; segundo outra, na UERJ; de acordo com uma terceira, durante uma caminhada na orla; em uma quarta versão, isto ocorreu em uma panfletagem no Centro e por aí vai. Na verdade, este boato não passa de uma daquelas lendas urbanas que surgem não se sabe de onde. Em 1986, quando Gabeira foi candidato a governador pela coligação PT-PV (campanha da qual participei ativamente, como membro da coordenação estudantil da mesma), tal estória já rolava, só que, naquele momento, os apoiadores das outras candidaturas (Darcy Ribeiro e Moreira Franco) a contavam de forma irônica e pejorativa, associando-a uma suposta homossexualidade de Gabeira e, como resultado disto, ao seu “despreparo” para assumir um cargo tão importante. Hoje, tal relato foi resgatado pelos eleitores do candidato do PV, em um sentido diametralmente oposto: ele mostraria o raciocínio rápido e a inteligência de Gabeira e, portanto, a sua capacidade para se tornar o novo prefeito do Rio de Janeiro. Assim, não pude deixar de lembrar-me das reflexões de Marc Bloch sobre as “notícias falsas”, feitas a partir da sua experiência como militar no front durante a Primeira Guerra Mundial, ao perceber como os boatos mais absurdos eram difundidos nos campos de batalha e como os soldados estavam predispostos a acreditar neles. Tais reflexões culminaram na escrita de uma das obras-primas da historiografia do século XX, “Os Reis Taumaturgos”, onde ele analisa a crença no milagre régio da cura das escrófulas, durante a Idade Média. Neste livro, Bloch expõe a idéia de que mais importante do que discutir a veracidade do milagre em si, é procurar entender a mentalidade coletiva que gerou esta crença. De certa forma, ao encarnar as aspirações de determinados setores da sociedade carioca e ao trabalhar de forma extremamente hábil alguns momentos de sua trajetória política e pessoal, Gabeira conseguiu criar em torno de si uma certa aura mítica. O problema é que uma sociedade – ou setores dela - que precisa desesperadamente de mitos, geralmente, traz em si um grande déficit de realidade concreta, como bem diria o Boaventura de Souza Santos.
Agora, ao fim do processo eleitoral, só desejo que as patrulhas verdes - independentemente do resultado das eleições - esqueçam-se de mim a partir de amanhã e que algumas relações não tenham ficado estremecidas devido à tensão pré-eleitoral. Afinal, o que posso fazer se meu coração é vermelho?