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Uma luz no apagão do debate político brasileiro

Do cientista político Fernando Abrucio, publicado originalmente na Revista Época

A proximidade das eleições está estimulando um apagão no debate político. Obviamente que os partidos devem realçar suas diferenças para conquistar os eleitores. Porém isso deve ser feito sem criar falsas dicotomias entre as forças políticas, de modo a aproveitar o aprendizado acumulado em relação às políticas públicas. O combate figadal que domina a cena política atual ignora os consensos positivos criados nos dois últimos governos. E nenhum avanço advirá dessas brigas irracionais.

Mas há uma luz no meio desse apagão. O Ministério do Planejamento montou uma comissão de juristas que, com independência de trabalho, produziu uma proposta para reformular o desenho das organizações públicas e de seu relacionamento com seus parceiros e controladores. Seria uma nova Lei Orgânica da Administração Pública, destinada a substituir o Decreto-Lei 200, produzido no regime autoritário.

A magnitude e a importância da tarefa são inegáveis. O Brasil precisa aperfeiçoar sua gestão pública para alcançar os objetivos colocados tanto pela “Constituição cidadã” como pela necessidade de ter um Estado eficiente. O que chama mais a atenção, contudo, é o contorno para além do partidarismo de ocasião alcançado por esse projeto. Isso fica claro no livro organizado para resumir e analisar a proposta, intitulado Nova organização administrativa brasileira (Editora Fórum). Essa obra teve como organizador Paulo Modesto, grande administrativista que foi fundamental na elaboração da Emenda 19, aprovada no governo FHC.

As duas pessoas incumbidas das apresentações do livro revelam o caráter do projeto: Paulo Bernardo, ministro do presidente Lula, e Luiz Carlos Bresser Pereira, ministro do presidente Fernando Henrique. É estimulante observar uma concordância de alto nível para melhorar a gestão pública. Paulo Bernardo destaca duas coisas que devem fazer parte de qualquer aperfeiçoamento do Estado brasileiro. A primeira é a redefinição jurídica das relações entre o setor público e a sociedade. Sabe-se que tal relacionamento é fundamental na produção de políticas públicas. Mas também se tem consciência dos riscos de indefinições nessa seara, que podem levar ao desperdício de recursos públicos. O outro ponto ressaltado pelo ministro é o reforço do controle social da administração – não como uma forma de substituir os demais controles, mas como um mecanismo essencial de tornar os governos mais transparentes e abertos.

Uma comissão de juristas produziu uma proposta para modernizar a gestão pública brasileira

Tais temáticas foram igualmente ressaltadas por Bresser Pereira. Só que ele destaca outras questões referentes à melhoria do desempenho das organizações públicas. O anteprojeto constitui uma administração pública orientada pela busca de resultados e organizada de forma contratual. Nela, os órgãos ganham autonomia e agilidade, em troca do estabelecimento de metas monitoradas pelos ministérios, pelas instituições públicas e pela sociedade. Essa idéia segue o que há de mais bem-sucedido no mundo e na gestão pública brasileira.

O debate público está tão contaminado que a notícia sobre esse anteprojeto apareceu na forma de crítica ao papel do Tribunal de Contas da União (TCU), aproveitando um arranca-rabo recente entre o presidente Lula e esse órgão. Trata-se de uma falácia. Primeiro porque o TCU não está, nem de longe, no centro da discussão do projeto. Além disso, o que se diz sobre o controle, em essência, é que ele precisa obedecer cada vez mais a dois princípios consagrados no plano internacional: deve-se reduzir o controle meramente formal da administração pública, que traz mais custos que ganhos à sociedade; e que é necessário evitar a sobreposição e descoordenação entre os órgãos e os mecanismos fiscalizadores. O TCU não deve temer nenhum desses pontos. Deve aproveitar esse debate para incluir outro ponto na pauta: para termos melhores organizações públicas, é fundamental aprofundar a profissionalização do Estado brasileiro.

O projeto de nova Lei Orgânica da Administração Pública é uma obra aberta a críticas e modificações. Mas já começou bem ao evitar o atual viés eleitoral que deixou às escuras o debate político brasileiro.
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